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segunda-feira, 28 de maio de 2018

QUANDO MUITA COISA FALTA...

★★★★★☆☆☆☆☆
Título: Geek
Ano: 2017
Gênero: Documentário, Jornalístico
Classificação: Livre
Direção: Carla Albuquerque
Elenco: Vários
País: Brasil
Duração: 22 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
O que é ser geek? É isso o que a série vai tentar esclarecer ao longo de oito temas que fazem parte deste universo que parece complexo, mas que todo mundo tem um pouco dentro de si.

O QUE TENHO A DIZER...

Geek é o termo atual que define todo aquele tipo de pessoa que se interessa e aprofunda seu conhecimento por coisas específicas, incomuns, complexas, peculiares, pouco difundidas ou até bastante conhecidas, mas compreendidas além do superficial. Seja amador ou entusiasta, embora não sejam assuntos ou comportamentos de massa, mas de nichos, grande parte envolve a cultura pop em geral e que acaba atingindo a massa de uma maneira ou de outra. Jogos de tabuleiro ou eletrônicos, cinema e TV, livros e histórias em quadrinhos, moda, música, culturas, coleções ou época específicas... Não existe limite para aquele que se considera tal.

A série, produzida pela brasileira Medialand, mostra um pouco dessa cultura, mas não consegue desmistificar alguns preconceitos sobre esse universo dominado por assuntos tão específicos que não somente inundam o imaginário de quem se alimenta dele, como também atuam como combustíveis criativos para quem vive dele.

Não significa necessariamente que a produção tinha esse objetivo, mas deveria, já que para se compreender um assunto devemos ser mergulhados em sua origem e concepção. Embora a produtora, encabeçada por Carla Albuquerque e Beto Ribeiro, tenha um vasto currículo de produções, muitas delas são de qualidade bastante duvidosa. É o que acontece com a recém aderida pelo Netflix, Velhas Amigas. Mesmo duas produções de teor completamente diferentes, onde uma é uma mistura debochada de drama e comédia da pior espécie e a outra uma série mais jornalística do que documental, os defeitos e problemas se mostram os mesmos: a falta de um roteiro consistente, de uma produção mais polida e caprichada. Detalhes que definitivamente tirariam essa sensação de produto amador ou improvisado, feito de última hora apenas para entregar algo encomendado e garantir os incentivos e fundos conquistados.

Aqui a coisa se torna até mais séria quando, na falta de um conteúdo mais consistente, a edição reutiliza imagens numa repetitividade que não aconteceria em um produto bem pensado e desenvolvido, como acontece numa frequência até irritante no último episódio, em que no meio de uma entrevista que nunca sai do mesmo lugar, e no meio de uma vasta coleção de action figures que deixaria qualquer geek enlouquecido, o que vemos é mais de 20 minutos de imagens que se repetem na mesma proporção que o entrevistado: um investigador e sua evidente obsessão militar.

Óbvio, não é o entrevistado o culpado, mas a produção que não tinha um briefing consistente para o episódio, um roteiro definido e, muito menos, uma edição efetiva o suficiente pra dar suculência no material e peneirar aquilo que o espectador não precisa saber.

A intenção de se aprofundar no universo Geek nunca se mostra tão consistente como, em partes, a série Brinquedos Que Marcaram Época, também no serviço de streaming, consegue. Uma produção norteamericana igualmente simples, que trata de um tema recorrente desse universo, mas com uma relevância documental muito mais segura e que deveria ter sido levada como referência.

Aqui tudo é tratado com muita superficialidade, baseado apenas em relatos que são interessantes, mas não é criada qualquer introdução ou contexto em volta. Há muita pouca pesquisa, menos ainda sobre a história que envolve o tema abordado em cada episódio, como a origem do assunto, o impacto dele localmente e no mundo, a maneira como a massa é influenciada por aquilo, ou como aquilo chega até a massa, etc.

Tudo começa com o primeiro episódio, em que dão destaque à história profissional de Ivan Reis, mas não mostram nada além do que está exposto ao seu redor. Ivan, que é um dos mais renomados e importantes desenhistas da DC Comics, não deveria ser o único a ser entrevistado, já que temos diversos outros brasileiros respeitadíssimos nessa indústria, como Joe Bennett ou Mike Deodato, só pra citar alguns. Não que apenas a historia de Ivan não seja interessante, mas se aprofundar mais no interesse de saber como o cenário brasileiro começou a fazer parte de um mercado internacional tão complexo e competitivo teria sido motivador e um grande diferencial.

Os demais episódios se perdem da mesma forma. Se esquecem do propósito esclarecedor pra se tornar uma matéria jornalística simplista e comum.

A produção não se atenta em nenhum momento em criar uma narrativa que aproxime o espectador do assunto, e que o faça compreender que além da excentricidade, existe uma grande importância sociocultural que envolve o comportamento. Seja na cultura gamer ou gráfica, cinematográfica ou literária, existe um grupismo ou uma individualidade saudável e produtiva. O que se assiste é algo que parece específico para quem já conhece o assunto, e não um conteúdo, de fato, informativo e agregador.

Não adianta querer se autodenominar uma série documental quando não é sequer esclarecido ao espectador o que seja, por exemplo, a Comic Con, como acontece no terceiro episódio. Ao invés disso, soltaram um personagem de uma das próprias produções B da Medialand para sair entrevistando pessoas aleatórias como uma esquete improvisada. Pode ser cômico, mas não tem coerência, além de zero consistência sobre um evento mundialmente conhecido e que foi se popularizar no país apenas nessa década. Um episódio que poderia ter, sim, tido seu lado cômico, mas uma narrativa documental nele teria sido essencial. Para piorar, o nome da feira sequer é citado no episódio, talvez porque sequer foram atrás de autorização para filmagem, pois é isso que faz parecer.

Essa atitude um tanto aleatória e alienada da série apenas reforça a imagem esquisita e desconexa da realidade que o tema aderiu com o tempo e que tanto se fortalece entre aqueles não familiarizados com ele, ao invés de mostrar que a feira, por exemplo, seja a consequência de indústrias da cultura e do entretenimento que movimentam milhões porque finalmente resolveram dar relevância a um grupo que sobreviveu pelas sombras da exclusão por muito tempo.

O mesmo acontece sobre o episódio que trata dos jogos de tabuleiro e de RPGs de mesa. O que são jogos de tabuleiro? O que são RPGs? Onde essas pessoas se encontram para isso? De onde veio essa cultura ou desde quando ela existe com consistência? Que mercado é esse? Nada disso é respondido. Novamente, o que se vê são pessoas aleatórias relatando experiências que, para quem não é familiarizado, irá interpretar a situação como um bando de gente esquisita, desocupada e hedonista.

Alguma coisa um pouco diferente acontece no episódio em que os fundadores do canal Overloadr e do arcade house VR Games são entrevistados. Eles conseguem dar aquela consistência necessária ao conteúdo por mérito próprio, e não porque a direção ou o roteiro da produção foi efetivo. Eles próprios tomam a iniciativa de não apenas darem seus relatos pessoais, mas contar um pouco da história de como tudo começou, de como as idéias para o arcade house ou para o canal surgiram, a qual nicho eles pertencem e quem é o público atingido. Esclarecedor de uma forma que 80% da produção deveria ser, mas não é.

O resultado de tudo não chega a ser desinteressante ou constrangedor como a maioria das demais produções da Medialand constumam ser, mas está longe de ter uma consistência necessária para corresponder com a proposta informativa que o desconhecido termo exigiria. Seria adequado como um quadro especial do Fantástico, mas não como um conteúdo exclusivo do Netflix, o que demostra que a empresa tenha endossado o projeto mais para inflar a quantidade de produções locais em seu catálogo do que por querer investir em conteúdo de qualidade de fato.

Novamente é uma pena uma produtora independente ter o interesse em produzir conteúdo diferenciado, conseguir captar recursos através de incentivos e fundos governamentais, mas não atingir um nível de qualidade que poderia. Ao invés disso, cai na mesmice e simplicidade dignas de estudantes de cinema realizando um projeto para a média do bimestre.

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