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quinta-feira, 15 de março de 2018

NÃO JULGUE PELA CAPA...

★★★★★★★★★☆
Título: A Grande Jogada (Molly's Game)
Ano: 2017
Gênero: Drama, Biografia
Classificação: 16 anos
Direção: Aaron Sorkin
Elenco: Jessica Chastain, Idris Elba, Kevin Costner, Michael Cera
País: China, Estados Unidos, Canadá
Duração: 140 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Sobre uma competidora de nível olímpico que se torna uma das maiores gerenciadora de jogos de poker em Hollywood e Nova York, para depois ser alvo do FBI.

O QUE TENHO A DIZER...
Jessica Chastain não é ainda um nome memorável, ou que imediatamente remeta à imagem de uma grande e popular estrela, como acontece como Julia Roberts, Meryl Streep ou Nicole Kidman.

Não nos lados de cá.

Se você não é uma pessoa que assiste filmes com regularidade ou pouco se importa com fichas técnicas, provavelmente deixou passar em branco muitos títulos em que ela foi protagonista em algum momento, talvez aí a razão de seu nome sequer soar familiar. O que é uma pena, porque Jessica é, junto com Amy Adams, uma das maiores atrizes de sua geração no momento. Não é à toa que, quando interpretou a socialite expansiva e engraçada, mas que por trás dessa imagem vulnerável escondia a sobrevivência de uma avassaladora violência doméstica em Histórias Cruzadas (The Help, 2011), tudo mudou. Ela concorreu ao seu primeiro Oscar como coadjuvante e daí pra frente sua carreira engatou a sexta marcha e nunca mais parou, protagonizando filmes com personagens determinadas, em sua maioria baseadas em figuras reais que tiveram uma grande história em meio a situações lideradas por homens.

A Grande Jogada segue esse mesmo perfil que se tornou a marca registrada da atriz, que entre uma ou outra produção séria, acaba fazendo filmes mais despretensiosos, mas que estão longe de ter a mesma qualidade narrativa e construtiva que a maioria de seus filmes tem.

Aqui ela vai interpretar Molly Bloom, uma garota de classe média que cresceu praticando esqui livre e se profissionalizando em nível Olímpico na adolescência, cujo pai, além de ser seu treinador, era professor universitário e médico psiquiatra. Mas depois de um acidente que quase lhe custou a vida durante uma competição, abandonou o esporte e foi cursar faculdade de direito. Ou melhor dizendo, tentou.

O filme é baseado na biografia da verdadeira Molly Bloom, que descreve sua trajetória desde uma mera competidora de nível olímpico até se tornar uma das mais influentes gerenciadoras de jogos em Hollywood e Nova York.

É sem dúvida uma daquelas histórias que só acontecem no mundo financeiro e megalomaníaco do Estados Unidos, lugar onde se concentram as figuras mais excêntricas dispostas a qualquer coisa para atingir o cultural sonho americano do sucesso e da fama. Guiadas por essa cultura social há gerações, não é de se espantar que a incidência de fraudes, golpes, casos de duplicação de patrimônio a curto prazo ou enriquecimento ilícito tenham os números mais expressivos nesse país. Como as chances de se dar bem de forma fácil são sempre pequenas, basta uma oportunidade para se deixarem cair na tentação, sendo exatamente assim como nossa protagonista irá sair do subúrbio para o mundo do luxo e da influência social e fatalmente se tornar um dos maiores alvos do FBI.

O que sabemos desde o princípio é que Molly, assim como o filme e o livro no qual é baseado, nunca irá falar toda a verdade que acontecia nos bastidores e nos anônimos encontros de jogatina que ela organizava, mas o que podemos ter certeza é que ela é uma pessoa de confiança, e que a traição nunca fez parte de seus planos para alcançar seus objetivos, nem mesmo quando ela mesma foi traída. Caso fosse assim, tenho certeza que ela não estaria viva para contar essa história.

Logo no começo do filme é possível perceber que tudo será construído em cima de uma narrativa rápida e bastante visual, por muitas vezes até difícil de acompanhar mesmo quando tenta ser o mais didático possível, seguindo uma estética parecida com a de outro filme de título até similar, A Grande Aposta (The Big Short, 2015), só não tendo a quebra da quarta parede. A intenção do diretor e roteirista Aaron Sorkin ao fazer isso é reproduzir a maneira rápida e focada como a protagonista pensa, raciocina e coloca em prática.

É um tanto atordoante como os diálogos metralhados acabam se sobrepondo uns aos outros e como a edição picota as imagens em um ping-pong que intensifica mais ainda essa sensação de se perder no meio de uma discussão, não sendo à toa que os momentos mais interessantes do filme sejam exatamente as poucas - mas longas e até incômodas - pausas, principalmente em cenas entre ela e seu advogado, interpretado por Idris Elba. Momentos estes que é possível notar como os personagens estão cansados de argumentar, numa disputa verbal sempre engatilhada pelos pré-conceitos de Charlie e pela falta de confiança de Molly, levando ambos a se testarem constantemente, culminando no emocionante discurso do advogado aos promotores.

Sim, embora ocorra tudo numa velocidade na qual seja fácil o espectador perder o fio da meada, os diálogos são incisivos e interessantes com seus excessos de contra-argumentos, principalmente quando zomba da obviedade e da forma rasa como costumamos observar ou pensar sobre as coisas, ditadas muitas vezes pela mídia desinformativa. Portanto, é interessante assisti-lo em uma noite com tempo de sobra, não apenas pelas suas mais de 2 horas de duração, mas porque esse tempo pode aumentar significativamente dependendo do interesse e do tanto de vezes que você apertar o botão de retroceder para acompanhar melhor muitas das cenas.

No fim, não importa se você irá entender como funciona as estratégias do pôquer ou de como a protagonista conseguia administrar gorjetas, lucros, empréstimos, dívidas, pagamentos ou comissões, porque nada disso fará diferença, nem mesmo elementos ou personagens fictícios que entram para incrementar os conflitos e arcos dramáticos. O resultado final é unica e simplesmente sua determinação de construir um império próprio usando a observação e perspicácia, dominando da noite para o dia um negócio masculinizado e sexista, que acreditava que mulheres neste ramo eram apenas objetos de diversão. O que culmina na situação em que a motivação de Molly para se manter no negócio deixa de ser uma mera ambição para se transformar numa declarada e inconsciente guerra pessoal ao domínio machista opressor que passou a tomar formas violentas e covardes. Maravilhosa a forma como a protagonista resolve montar uma equipe só de mulheres para ajudá-la a recrutar novos jogadores e manipular suas participações, se aproveitando da ignorância dos homens e de suas constantes esterotipações femininas.

Molly Bloom não apenas construiu um império, como sua conduta pacífica e sua política bastante restrita fizeram-na se tornar uma figura respeitável e reconhecida. Mas, como de praxe em histórias de repentino sucesso como o dela, por um pequeno deslize quebrou todos os princípios que a fizeram chegar onde chegou em tão pouco tempo. Decisões mal calculadas que foram responsáveis pela sua queda e seu indireto envolvimento com a máfia. O interessante é que mesmo que o roteiro tente manter a integridade de sua figura, ela mesma não se impede de pontuar seus erros, exageros e deslizes, não com objetivo redentor, mas para mostrar ao espectador que somos nós mesmos os únicos responsáveis pelo nosso sucesso ou fracasso.

No caso, a colocou no centro do radar não apenas de muitos clientes poderosos, como também do FBI, que tentou coagi-la de todas as formas a se tornar uma informante e revelar nomes envolvidos em esquemas que ela mesma desconhecia, ou fazia questão de desconhecer.

Em sua estréia na direção, Sorkins desenvolve um trabalho consistente o suficiente, que pode ter lá suas liberdades dramáticas, mas que acontecem em momentos muito exatos e quebram a seriedade quase sufocante da trama em que a protagonista se envolve. Dramas humanos e comuns, como na conflituosa relação entre a protagonista e seu pai, rendendo uma sequência bastante emocionante e de uma sinceridade que pode parecer até óbvia, mas que assim é vista exatamente quando deixamos de negligenciá-la. O mesmo sobre os alívios cômicos, raros, mas que sempre entram na narrativa ou nos diálogos para dar tempo do espectador respirar e se revigorar nesses breves parênteses.

Os papéis que Jessica tem desempenhado nos últimos anos se superam em qualidade, trabalho após trabalho. Sua performance aqui mantém características que a individualizam das demais, mas possui a mesma consistência e competência vista em Armas Na Mesa (Miss Sloane, 2016) e O Ano Mais Violento (A Most Violent Year, 2014), além de tecnicamente se equivaler ao que Erin Brockovich foi para Julia Roberts, ou Um Sonho Possível foi para Sandra Bullock, ou Eu, Tonya foi para Margot Robbie. Ela não se impota na caracterização física, dando preferência a detalhes que fizeram essas pessoas serem únicas e se destacarem, e dessa vez ela preferiu dar atenção às vulnerabilidades e fraquezas da personagem.

A atriz foi uma das exigências da própria Molly Bloom para que o filme fosse produzido, e segundo ela, foram detalhes que não apenas fizeram as cenas convincentes como muitas vezes fizeram Molly sentir que era ela mesma na tela, tamanha a semelhança das situações com a realidade e da interpretação certeira da atriz sobre sua própria personalidade.

É inacreditável como este filme passou despercebido pelos cinemas, e extremamente ignorado pela temporada de premiações, principalmente o Oscar, cujas indicações da atriz já poderiam ser facilmente equivalentes às 5 indicações que já conquistou no Globo de Ouro nos últimos seis anos. O filme concorreu apenas ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, de um livro que, apesar de seu título enorme e disperso (segundo Molly, decisões de sua própria editora), dizem ter um conteúdo que nunca deveria ser julgado pela sua capa, assim como foi esse o maior objetivo da personagem durante toda sua história.

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