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sexta-feira, 9 de março de 2018

LINDO...

★★★★★★★★☆
Título: Viva: A Vida É Uma Festa (Coco)
Ano: 2017
Gênero: Animação, Comédia, Fantasia
Classificação: Livre
Direção: Lee Unkrich, Adrian Molina
Elenco: Anthony Gonzalez, Gael Garcia Bernal, Benjamin Bratt
País: Estados Unidos
Duração: 105 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um garoto tenta seguir sua carreira musical, mas acaba desafiando toda a tradição familiar, que aboliu a música há quatro gerações, indo parar na terra dos mortos, só conseguindo voltar se encontrar tataravô, um famoso cantor.

O QUE TENHO A DIZER...
Aproximadamente 10% da população nos Estados Unidos é de descendência mexicana. Além de México também ser um dos maiores consumidores diretos dos produtos e da cultura que sai de lá. Por coincidência, este filme foi lançado em uma época muito interessante, em meio à discussão a respeito da imigração ilegal e do Governo intervir diretamente na fronteira entre os dois países, além de decisões drásticas de deportação de imigrantes ilegais e as idéias desumanas que acompanham tudo isso, ferindo a dignidade e os direitos humanos.

É claro que a produção de um longa animado não acontece na mesma velocidade que um filme não animado. Hoje em dia uma animação em longa metragem tem um tempo de produção que pode variar de 3 a 6 anos, dependendo de sua complexidade. Então é um tanto errôneo afirmar que o filme foi lançado propositalmente para confrontar as discussões xenofóbicas e hispanodiscriminatórias que começaram a surgir com a candidatura de Trump à presidência em 2017.

Foi uma coincidência, e uma feliz coincidência, por sinal.

Em primeiro lugar porque o filme é, sem dúvida, uma grande homenagem à cultura mexicana, abusando da reprodução fotográfica e principalmente do complexo significado de algumas de suas tradições. E por ser um país culturalmente abundante, a história foca um momento bastante específico: o popular e mundialmente conhecido Dia dos Mortos. Cheio de detalhes folclóricos inseridos no meio da narrativa, conseguimos compreender porque esse dia tem tanta importância na cultura daquele país, as razões de ser tão respeitado e, acima de tudo, uma celebração à vida e à morte. 

Como é de praxe nos filmes da Pixar, desde antes de ser englobada pela Disney, todos os personagens são extremamente carismáticos, até mesmo os vilões. Aqui não seria diferente, cheios de detalhes que lhe dão personalidades físicas tão distintas que se tornam convincentes, como as bochechas de Miguel, um lado com cova, outro sem, como ele mesmo faz questão de mostrar, porque isso o faz ser único. Até mesmo sua bisavó, tão velhinha e enrugada que é cativante desde a primeira vez que aparece.

Viva não apenas é um excelente entretenimento como também uma grande inspiração por conta da forma como ele aborda diversos assuntos, oferecendo às crianças - sempre o público alvo das animações - um outro ponto de vista sobre a morte e à perda, que mais do que algo simplesmente mórbido, pode ser belo, significante, alegre e colorido. Além da importância da manutenção da memória e dos laços familiares, que obviamente não se limitam apenas a isso, e acabam sendo metáforas sobre tudo aquilo que seja importante na vida e na cultura que nos rodeia, que faz parte de nossas raízes e que precisam ser mantidas, caso contrário se tornarão esquecidas e perdidas no tempo como ouro em pó.

Ao contrário de outros filmes e diretores que já abordaram o outro lado da vida de maneira lúdica, como os filmes de Tim Burton, A Noiva Cadáver (2005) ou Frankenweenie (2012),  a tendência é sempre seguir para o caminho mais gótico, ou até mesmo mais obscuro, como é Coraline (2009), que não fala necessariamente sobre a vida do outro lado, mas tem a morte como assunto embutido nesse filme de Henry Selick, baseado na história de Neil Gaiman. Mas em Viva a abordagem é totalmente contrária. Transita entre os momentos dramáticos e cômicos com uma leveza agradável, se transformando naquele filme que abraça o espectador de maneira tão confortável que somos transportados para um universo que não queremos sair nunca mais.

A transição de Miguel entre a terra dos vivos e dos mortos, e as figuras que ele encontra no meio do caminho, nos dá oportunidade para descobrir e conhecer as referências e os significados de mínimos detalhes, como o uso de cores e desenhos, a origem de determinados simbolismos e até a função de coisas que, para quem desconhece a cultura, deixam de ser unicamente decorativos, e cada um deles passa a ter vida e razão de existir.

Tudo é construído com tanto respeito, delicadeza e cuidado que é impossível não se hipnotizar pela forma como o protagonista nos conduz na busca pela realização de seus sonhos, mostrando que a quebra de preconceitos são necessárias, e que só conseguiremos isso quando pararmos de seguir regras cujos motivos se perderam no tempo, e que a necessidade de nos familiarizar com aquilo que desconhecemos é um grande e importante passo para isso. Ou seja, precisamos evoluir e nos atualizar, mas nem por isso esquecer nossas origens.

Os desafios nos quais Miguel se sujeita enfrentar para atingir seus objetivos é inspirador, e o roteiro poderia ter mantido a forma como se desenvolve até próximo de seu fim, sem a necessidade de criar personagens maniqueístas óbvios, como é de praxe em toda animação ou história fantástica. Por um instante fiquei até impressionado como tudo se desenvolveu tão bem sem a maldade ter que se tornar o maior obstáculo do enredo, mas quando a reviravolta na jornada do protagonista acontece, vilões surgem e aquela tradicional, batida e desnecessária briga do bem contra o mal toma forma. Nesse instante, parece que todo o conceito brilhante que o filme teve até então se perde. Nada que estrague a experiência, mas que teria calhado muito bem se tivesse seguido por um caminho que não buscasse essa resolução cliché da maldade ter que se fazer existir para exaltarmos a felicidade e o poder do bem. O vilão não precisava ser um vilão, poderia ser o mesmo personagem carismático como foi apresentado a princípio, e toda a conclusão poderia ter sido apenas uma questão de engano, um acidente, e não de deliberada falta de escrúpulo.

A animação é tão cuidadosa ao falar da morte e de como ela é um processo natural, e de repente mostrar um assassinato por uma ambição vazia digna de (vejam só) uma novela mexicana, foi uma derrapada feia.

Mas tirando este mero detalhe, é um maravilhoso material que deve ser apresentado as crianças, e toda sua simbologia deveria ser minuciosamente explicada para que elas percebam que o mundo não precisa ser tão horrível quanto pareça, e nem tão fantasioso para ser encoberto, mas que pode existir um meio termo que faça a transição entre um e outro se tornar leve e menos traumática conforme as noções da vida adulta e da maturidade começam a marcar sua presença.

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