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segunda-feira, 19 de março de 2018

DOIS PARA FRENTE, DOIS PARA TRÁS...

★★★★★★☆
Título: Invocação do Mal 2 (The Conjuring 2)
Ano: 2017
Gênero: Terror
Classificação: 16 anos
Direção: James Wan
Elenco: Vera Farmiga, Patrick Wilson, Frances O'Connor, Maria Doyle Kennedy, Franka Potente
País: Canadá, Estados Unidos
Duração: 134 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Ed e Lorraine Warren tentam se afastar de casos paranormais quando sua mulher tem uma visão perturbadora, porém um caso familiar os reaproxima de novo a um caso sobrenatural muito mais sério do que imaginavam.

O QUE TENHO A DIZER...
James Wan voltou para dar continuidade às histórias do casal Ed e Lorraine Warren depois de dirigir a continuação Sobrenatural, Capítulo 2 (Insidious - Chapter 2, 2013) e contribuir para a franquia multimilionária, Velozes e Furiosos 7 (Furious 7, 2015), tentando escapar do gênero que o consagrou e mostrar ao público sua versatilidade. O que o ajudou de certa forma, já que será o diretor de Aquaman.

O filme começa de maneira interessante fazendo referência ao caso de Amtyville, o acontecimento mais famoso do casal Warren. Mas ao invés de recontar uma história que já foi incansavelmente recontada no cinema, a situação serve apenas como uma introdução ao filme mesmo, uma referência e um gancho para os eventos seguintes.

Wan mantém muitas das mesmas técnicas que ele utilizou no filme anterior, como algumas poucas cenas em plano sequência para incrementar os estilos visuais e dar uma sensação mais fluida e participativa, ou as câmeras em angulações incomuns para aumentar o clima sombrio e distorcido. É indiscutível que dessa vez ele utilize melhor as técnicas para conduzir a história ao invés de abusar dos jump scares, aqueles elementos jogados repentinamente na tela com um som estrondoso para causar sustos deliberados. Não significa que eles não existam aqui, pelo contrário, qualquer coisinha ainda é motivo para um barulho atrapalhar a experiência, e muitas cenas acabam não funcionando, seja porque o efeito sonoro desnecessário atrapalha, seja porque a cena realmente é fraca e o som evidentemente entra para obrigar o espectador a ter alguma reação. E o primeiro motivo ainda é o grande vilão, na mesma intensidade que no filme anterior.

A história em si não é muito diferente, outra vez baseado em um fato real, e um dos mais investigados e explorados pela mídia até hoje, sobre uma família que passa a ser atormentada por eventos sobrenaturais. Enquanto na história anterior era um espírito, aqui será uma entidade, o que faz a situação ficar mais séria de maneira que Lorraine afirma jamais ter visto, e que se o inferno for como ela visualizou, ela espera não ter a mesma experiência nunca mais. Uma situação um pouco complicada para a franquia quando a personagem afirma isso porque automaticamente já diminui a complexidade de qualquer filme seguinte, mas enfim... ignoremos porque os roteiristas irão ignorar também. Mas não ignoremos o fato de que a Igreja Católica e os dogmas religiosos novamente conduzem muitas situações outra vez, quando, para dar uma variada, poderiam servir como elementos de dúvidas e questionamentos. Mas ninguém quer cutucar leão com vara curta. Falar sobre demônios pode, mas duvidar da fé não.

Aos poucos é possível perceber uma maior maturidade no diretor para construir a atmosfera que pretende, como a colocar elementos aleatórios em segundo plano nas cenas, fazendo o espectador ser pego de surpresa não porque foi jogado na tela, mas porque ele próprio, de soslaio, percebe que no fundo do cenário, ou no canto da tela, tem alguma coisa estranha na parede ou na cadeira de balanço, por exemplo. Coisas que sempre funcionam muito bem para dar aquele arrepio na espinha de que alguma coisa errada acontece, o tal elemento inusitado que desafia a percepção que há muito tempo eu não via ser feito em filmes de terror, porque na verdade é isso o que mais assusta, é o inusitado, a aparição de algo que está lá, mas você não nota de imediato.

Outra coisa muito interessante, e mérito dos roteiristas Chad e Carey Hayes, é fazer os eventos acontecerem sem ordem. Chega daquela história cliché de fantasminha ser calculista e ficar quieto quando a polícia estiver perto ou só pregar peça nas crianças quando os pais estiverem dormindo. Não importa quem seja ou que horas seja, as coisas acontecem mesmo assim, quebrando a sensação de obviedade que os filmes do gênero costumam ter.

O problema é que, ao mesmo tempo que os roteiristas dão dois passos à frente com essa interessante sacada, eles voltam ao mesmo lugar dando dois para trás ao criar conflitos incoerentes, como no caso de diversos personagens não acreditarem que a família Hodgson esteja sofrendo com atividades sobrenaturais, mesmo todos eles sendo testemunhas de vários acontecimentos, incluindo os próprios protagonistas. Sim, incluindo Ed e Lorraine Warren.

Chega a ser inacreditável a repetitividade com que os personagens discutem a realidade dos fatos, mesmo quando eles mesmos sofrem alguma violência que não tem explicação lógica, como na sequência em que Ed é atacado no porão, mas logo em seguida acredita que tudo possa ser uma farsa. A situação culmina ao ridículo quando o casal de investigadores até abandona a família "por falta de provas". Momentos como esse que nos perguntamos como os roteiristas são capazes de dar reviravoltas tão absurdas e impensadas, e como um diretor que tentou se consagrar no gênero permitiu descontextualidades tão grandes assim.

Muitas vezes um filme de terror não depende de sua história para ser aterrorizante ou simplesmente causar um ou outro medo, mas as incoerências aqui são tão grandes que realmente acabam ferindo o resultado final. É claro que para os espectadores menos atentos isso tudo será praticamente irrelevante porque existem outros elementos que para eles chamarão mais atenção e foram, na verdade, as razões de se interessarem pelo filme, como as figuras da Freira ou do Homem Torto. A Freira realmente é uma figura perturbadora, rendendo sequências bastante obscuras e que vão fazer muita gente acender a luz antes de sair de frente da televisão. Mas aí voltamos ao mesmo problema de dois passos pra frente e dois para trás quando apresentam o Homem Torto, uma figura mais cômica do que assustadora, feito inteiramente em computação gráfica, sem o menor impacto ou importância na história, pecando no excesso, mais parecendo um personagem que saiu de algum filme de Tim Burton do que outra coisa.

Ou seja, Wan pode ter a visão necessária para criar um bom filme de horror, mas precisa aprender a abrir mão de elementos comerciais demais, apelativos apenas para atrair a atenção do público, mas não na manutenção do universo que ele cria. A partir daí podemos ter uma noção do que poderão ser os filmes que se originarão desses personagens. Até porque é aquilo que sempre digo: o cinema nunca consegue se dar bem quando tenta explicar a origem de um mal, e toda vez que alguém se aventurou a isso, como fizeram com Freddy Krueger, Jason, Leatherface, e outros, acabou destruindo os conceitos originais. E além de Wan não ser o diretor responsável por esses filmes, muito menos será da terceira parte de Invocação, segundo ele informou em uma entrevista. Então podemos ter certeza que a exploração desenfreada do gênero outra vez será a razão de seu retrocesso.

Ou seja: novamente dois passos pra frente, e dois para trás.

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