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segunda-feira, 19 de março de 2018

DIVERSIDADE SEMPRE BEM VINDA...

★★★★★★★★☆
Título: On My Block
Ano: 2018
Gênero: Drama, Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Vários
Elenco: Sierra Capri, Jason Genao, Brett Gray, Diego Tinoco, Ronni Hawk, Peggy Blow, Jessica Marie Garcia
País: Estados Unidos
Duração: 25 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
A relação entre cinco amigos adolescentes e suas experiências em uma pequena cidade no interior de Los Angeles.

O QUE TENHO A DIZER...
Assim como Cara Gente Branca (Dear White People, 2017), essa série chega para incrementar a proposta diversificadora do Netflix, e por que não, conscientizadora também. Igualmente apelativa para o público mais jovem, com aquele visual descolado, diálogos cheio de gírias caricatas, comportamento progressistas, personagens irreverentes e uma trilha sonora pra lá de popular, ela pode não ter o mesmo peso crítico-social presente na sátira de Justin Simien, mas a intenção existe de igual forma principalmente pelo elenco ser predominantemente latino, algo um tanto inédito para uma produção de distribuição mundial.

Aqui as tramas se desenvolvem dentro de um bairro, colocando todos os personagens em um mesmo ecossistema, numa mesma condição demográfica. Não existe uma discrepância sócio-econômico-cultural entre eles, o que existe é uma dinâmica social um tanto autônoma que cria suas próprias regras e leis para compensar a negligência dos grandes escalões sobre políticas inclusivas, resultando em problemas comuns encontrados em grupos sociais carentes.

Mas a série, a princípio, não tratará tudo isso como um grande problema a ser enfrentado pelos personagens, pelo contrário, é encarado pelos cinco amigos como uma realidade cotidiana tal qual tentar adivinhar o calibre da arma pelo tiro que ouvem na rua. E isso, para eles, é divertido, porque não há outra maneira de combater essa realidade além da proposital alienação.

O drama apenas surge quando Cesar (Diego Tinoco) é incluído entre os Santos, uma gangue na qual o seu irmão Oscar (Julio Macias) é chefe, e a possibilidade dele abandonar os estudos e o convívio com os amigos para viver do crime aumenta cada vez mais. É então que os cinco amigos percebem que a vida adulta se aproxima mais rápido do que imaginavam, e junto com isso problemas que, até então, pareciam fáceis de serem contornados. E também quando percebemos que a série não será apenas sobre dramas colegiais, ansiedades do primeiro beijo, discursos sobre a virgindade ou a busca pela popularidade na escola.

A grande sacada da série é misturar as complexas responsabilidades que surgem com os dramas da idade à realidade em que vivem, algo complexo e triste quando percebemos que é a situação de muita gente por aí, e como a transição para a vida adulta se torna uma tarefa mais difícil do que já é em condições como essa. Mas longe de dramatizarem demais o cenário, tudo é levado com bom humor na medida do possível. O elenco, formado em sua maioria por atores pouco experientes, consegue ser cativante o suficiente, numa química necessária para nos convencer de que tudo, no fim, dará certo. O lema de respeitarem uns aos outros como uma família se torna uma bela perspectiva quando é a única realidade na qual podem agarrar com todas as forças para superarem os obstáculos. Por isso que, em muitas situações, nenhum problema entre eles será grande o bastante para abrirem mão disso.

É interessante a forma como discussões cotidianas também são desenvolvidas, porque o roteiro não se esquece em nenhum momento que os personagens são adolescentes, e a distimia presente em seus comportamentos ora infantis, ora adultos, são coerentes, sendo perdoáveis até momentos em que garotos tenham comportamentos machistas, ou alguém tenha um diálogo mais malicioso ou preconceituoso. Mesmo porque sempre terá alguém para confrontar essas situações, criando momentos de reflexão, como Monse (Sierra Capri) muitas vezes faz. São pessoas em formação, que estão aprendendo a lidar com o peso daquilo que dizem e fazem, com grandes ideais pela frente, mas que ainda não tem a menor noção de como atingi-los.

A surrealidade aparece em pequenas doses para esquecermos dos pesos dramáticos e as situações cômicas serem atenuadas sem apelações para o cliché pastiche. A maioria desses momentos cabe nas inesperadas aparições de Jasmine (Jessica Marie Garcia), uma personagem bem coadjuvante, mas recorrente, de hilária autoconfiança, mas solitária por conta de sua inconveniência. Ela é assediada moralmente por todos, inclusive pelos próprios protagonistas, e seu comportamento histriônico é consequência dessa rejeição sofrida e da ânsia de ser aceita e sentir-se inserida em algum grupo. Mas de uma forma brilhante o texto consegue transformar todo esse peso dramático da personagem em um dos elementos mais hilários da série, alfinetando discretamente o comportamento social frente aquilo que seja diferente ou excêntrico, criando uma empatia quase imediata com o espectador. Mérito indiscutível da própria atriz, que transforma a personagem em uma montanha inabalável de autoestima.

A consciência dos personagens a respeito daquilo que são, de suas origens e condições sociais é o que faz os momentos dramáticos não caírem no comum. Pelo contrário, essa consciência é o que justifica cada um ser exatamente como é, dando aos nossos heróis e heroínas características únicas como poderes. Seja no excesso de sensatez de Monse, na fatalista conformidade de Cesar, na positividade de Ruby, na honestidade de Jamal ou na ingenuidade de Olivia, são as qualidades de cada um que irá complementar as ausências e defeitos uns dos outros.

A variedade cultural que o seriado traz também é um dos elementos de destaque porque igualmente temos um elenco de diversidade racial e étnica muito grande, não sendo à toa que a trilha sonora reflita bastante essa atmosfera tão misturada que permeia pelos episódios, com músicas que navegam pelos diferentes estilos da black music, influenciados ou não pela cultura latina, incrementando mais ainda todo o universo pluralista que a série tenta ostentar. Seja no Funk, no Soul, no Rap, R&B, Hip-Hop, ou até mesmo no Pop ou Eletrônico, as músicas utilizadas são dignas de atenção. Preparem o Shazam e estejam dispostos a conhecer excelentes artistas do cenário atual que fogem da obviedade e nos faz perguntar onde estavam para nunca termos descoberto eles antes.

On My Block é uma versão mais séria e adulta de Stranger Things por conta de seu enredo girar em torno de um grupo de amigos, resgatando uma semelhante atmosfera fraternal sincera e inspiradora, deixando a fantasia um pouco mais de lado e trazendo à tona elementos do cotidiano. Não que subtramas mais aventurescas e fictícias não aconteça, como Jamal (Brett Gray) acreditar que existe um tesouro enterrado no bairro e passar grande parte dos episódios atrás de pistas que o levem até ele, sendo apoiado apenas por uma velha senhora que acredita que os sonhos nunca devem ser esquecidos. Mas é na trama de Cesar que a realidade toda vez é trazida à tona como um puxão, bem como a finitude das coisas é uma ameaça constante, e como o calibre de uma arma não é apenas uma charada, mas o triste elemento da violência que os rodeia.

Engraçado, motivador e emocionante na medida certa, entre conflitos românticos e terrores sociais,  o seriado muitas vezes nos deixa sem saber onde é que estamos indo ou em que terrenos vamos pisar, e por isso é surpreendente e imprevisível, com um grande futuro pela frente, basta que as pessoas se abram a ele, como ele se abre sem vergonha alguma para nos conquistar.

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