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quarta-feira, 14 de março de 2018

DECLARAÇÃO DE AMOR...

★★★★★★★★☆
Título: Com Amor, Van Gogh (Loving Vincent)
Ano: 2017
Gênero: Drama, Animação, Biografia, Crime
Classificação: 12 anos
Direção: Dorota Kobiela, Hugh Welchman
Elenco: Douglas Booth, Saoirse Ronan, Jerome Flynn, Helen McCrory, Eleonor Tomlinson
País: Polônia, Reino Unido, Estados Unidos
Duração: 94 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Animação baseada nas obras e na biografia de Vincent Van Gogh.

O QUE TENHO A DIZER...
Esta obra genial e trabalhosa é uma biografia diferente porque, através de uma reimaginação da história, fatos reais são contados, e também é uma animação bastante peculiar porque utilizou técnicas que nunca haviam sido usadas antes. Os diretores e roteiristas, Dorta Kobiela e Hugh Welchman, conseguiram fazer deste filme o maior projeto artístico já realizado no mundo ao unir a terceira e sétima arte, além de ser a primeira animação inteiramente realizada com pintura à óleo.

Sem dúvida é uma enorme declaração de amor à vida e obra do pintor, e a vontade de tocar o projeto partiu de Kobiela, depois de passar meses lendo as cartas de Van Gogh, analisando seu estilo e estudando todas suas obras durante um momento muito difícil e particular de sua vida. Muitos foram os obstáculos para tocar um projeto no qual era constantemente afirmado ser impossível de realizar devido às dificuldades técnicas em sequenciar as pinturas e transformá-las em frames (as fotografias que, quando agrupadas, formam um segundo de imagem em movimento) e assim obter-se uma cena. Os diretores foram encorajados a realizar o filme em computação gráfica, mas a idéia era transpor não apenas o estilo de Van Gogh de maneira realista, mas também uma forma de captar sua essência e os sentimentos que seus traços despertam, objetivos presentes em suas obras.

Foi então que, em 2012, vários processos foram testados e eles concluíram que, ao contrário do que diziam, realizar uma sequência em pintura a óleo era algo possível. Com a maturação da idéia, foi criado o chamado "processo de captação do movimento". As cenas foram gravadas com atores reais em um cenário em chroma key, seguidos de uma pós-produção que utilizou um misto de efeitos especiais e computação gráfica para, por fim, servirem como matriz para os mais de 80 pintores contratados de diversas partes do mundo reproduzirem as cenas a óleo utilizando os mesmos traços característicos do pintor.

Outra dificuldade encontrada é que as obras de Van Gogh variavam em tamanho (grandes ou pequenas) e posição (horizontais ou verticais), e como elas são reproduzidas em detalhes por serem as referências principais de todo o longa, era necessário complementar livremente a composição de muitas delas quando seu tamanho era menor que o tamanho do frame de um filme. Muitos quadros também tinham iluminações ou a reprodução de determinadas estações do ano que não condiziam com a narrativa, e por isso foram igualmente adaptados, respeitando os demais elementos originais.

Com exceção dos flash-backs da história, que foram propositalmente realizados com técnicas preto-e-branco justamente para se diferenciarem das demais e preencher lacunas da história, já que são os únicos momentos em que nenhuma obra de Van Gogh foi utilizada como referência, todas as demais respeitaram seus estilos, que nunca foram únicos ao longo de toda sua vida. Há momentos em que é explicita essa diferença entre uma cena e outra porque Van Gogh experimentou várias técnicas em suas obras, se adequando a algumas delas ao longo de sua carreira. O único elemento comum em situações como essa é o protagonista, que acabou recebendo um tratamento mais diferenciado e padrão justamente para se destacar como um elemento fictício.

Mas também é possível notar a diferença de estilos entre os próprios pintores que fizeram parte do projeto, mesmo quando todos tentam, ao máximo, se manterem fiéis aos estilos referentes a cada uma das obras de Van Gogh que inspiraram as cenas realizadas. Mas de nenhuma forma isso reduz a qualidade e o desafio de um filme tecnicamente desafiador e visualmente brilhante, que reuniu mais de 66 mil pinturas, em um total de 800 a 1000 telas, já que muitas delas eram reaproveitadas para se utilizar os elementos estáticos de uma cena e assim os pintores não terem a necessidade de refazer tudo frame a frame, economizando tempo, material e trabalho. Segundo o making of da produção, se todas as pinturas fossem colocadas lado a lado em seus tamanhos originais, seria possível cobrir todo território de Londres ou da Ilha de Manhattan.

A história é uma imaginação sobre os dias que sucederam a morte do pintor, e a partir disso sua biografia será contada de forma bastante resumida enquanto o protagonista tenta desvendar os motivos da tentativa de suicídio de Van Gogh e demais mistérios em torno de sua estranha figura, que ao mesmo tempo que era respeitada por muitos, era vista com bastante estranheza por outros devido aos problemas psicológicos que enfrentava e que a sociedade desconhecia. E por desconhecerem, não sabiam como lidar.

Claro que o estilo diferenciado da animação pode acabar limitando seu público porque não tem a mesma fluidez das produções modernas e comerciais, estando longe de ter o nível de entretenimento que as produções da Disney/Pixar oferecem. É uma animação para um público mais adulto mesmo, aquele que se importa com a terceira arte e que gosta de admirar projetos desafiadores como esse, mesmo que a história também tenha um ritmo bastante lento porque foi criada respeitando a vida e as obras de Van Gogh, e tudo não passa de um pretexto para a exaltação de tudo isso.

Os esforços da produção foram reconhecidos, chegando a concorrer ao Oscar de Melhor Animação em Longa Metragem, perdendo para Viva (Coco, 2017), da Pixar. Isso nos faz voltar à velha questão, desde quando esta categoria foi criada em 2002, do que de fato faz uma animação ser considerada a melhor. Porque ao longo dos anos muitos filmes apresentaram de técnicas inovadoras àquelas que retomaram técnicas clássicas esquecidas, mas a preferência sempre vai para as grandes produções comerciais em computação gráfica e de grande bilheteria, que podem ser bonitos, mas de nenhuma forma se equivalem à originalidade que encontramos, por exemplo, aqui. Mais do que uma história, a Academia deveria observar a técnica, afinal, o que está sendo analisado é a animação acima de qualquer coisa, principalmente quando não há subcategorias específicas para o gênero, o que poderia e deixaria tudo muito mais dividido e democrático se existisse.

De qualquer forma, Com Amor definitivamente nos motiva a mergulhar na cabeça do pintor, não nos seus problemas e dificuldades, mas na maneira bastante simples e ingênua como ele enxergava o mundo, coisas e pessoas, criando cenários que, mesmo bastante lúdicos na sua expressão, nunca deixam de ser verdadeiros em suas formas e traços.

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