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segunda-feira, 19 de março de 2018

AINDA HÁ ESPERANÇA PARA O TERROR...

★★★★★★☆☆
Título: Invocação do Mal (The Conjuring)
Ano: 2013
Gênero: Terror
Classificação: 16 anos
Direção: James Wan
Elenco: Vera Farmiga, Patrick Wilson, Lili Taylor, Ron Livingston
País: Estados Unidos
Duração: 112 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma família começa a ser perturbada por espíritos assim que se muda para um nova casa.

O QUE TENHO A DIZER...
Invocação do Mal foi a tentativa de James Wan dar continuidade ao gênero que ele acredita ter se dado tão bem.

Depois do sucesso de Sobrenatural (Insidious, 2010), o diretor acabou "tropeçando" na biografia de Ed e Lorraine Warren, dois investigadores paranormais que dedicaram suas vidas a esse tema, alegando terem participado e investigado diversos casos, sendo o mais famoso deles o de Amityville, incansavelmente explorado pelo cinema. Lorraine ainda vive, aos 91 anos, enquanto Ed faleceu em 2006, aos 76 anos. Segundo Wan, a história do casal já era interessante sozinha, mas eles também tinham diversas experiências documentadas tão fantásticas que poderiam ser exploradas no cinema de igual forma.

E foi o que ele fez aqui, pegando a história da família Perron, que havia se mudado para um lote no interior de Rhode Island, nos Estados Unidos, onde havia vivido uma bruxa no século XIX que, segundo o casal Warren, almaldiçoou o lugar, condenando todos que morassem lá depois dela à morte. Obviamente que o roteiro de Chad e Carey Hayes adapta livremente o que os Warren estudaram, mas consegue fazer um trabalho descente com o gênero em pleno século XXI, onde os filmes de terror que seguem estruturas mais clássicas não mais assustam porque a audiência se acostumou com o exagero e o sensacionalismo explícito.

Recentemente, em uma entrevista para promover seu próximo filme, A Freira (The Nun, 2018), mais uma extensão do universo que ele tem criado em cima das histórias dos Warren, Wan afirmou que sua intenção é resgatar o respeito que os filmes de terror merecem. Vale dizer que, por ironia do destino, ele mesmo foi um dos maiores responsáveis pela mudança de percepção do público daquilo que passou ou não a ser considerado assustador.

Quando lançou Jogos Mortais (Saw, 2004), Wan não imaginava o quanto seu thriller sanguinário influenciaria o gênero nos anos seguintes. Na época em que foi lançado, ele realmente impressionou por ser explícito e trazer um terror visual tão contundente e chocante que automaticamente o gore voltou a ser explorado em demasia pelo cinema. Os filmes posteriores a ele, incluindo suas sequências, abandonaram a exploração do gênero pelo lado psicológico e técnico, oferecendo cenas de susto fácil ao jorrar suco de tomate pela tela ao desmembrar, decapitar, escalpelar ou dissecar personagens de maneira explícita. Foi instaurado aí um outro nível tolerância ao gênero, e aqueles que ainda apostavam no terror mais clássico e sobrenatural, sofreram com essa resistência do público ao que era mais subliminar ou subjetivo, e filmes que não tivessem alguns elementos desses estavam fadados ao fracasso ou ao esquecimento.

Mas a felicidade de Wan é que sua percepção sobre como contar histórias é diferente, e mesmo que ele tenha contribuído com o aumento da tolerância visual na qual os espectadores ficaram expostos nos filmes de terror, talvez ele tenha notado o rumo absurdo e gratuitamente violento no qual o gênero caminhou por conta disso e preferiu resgatar certas origens. Foi a partir de Gritos Mortais (Dead Silence, 2007), que não chega a ser um spino-off de Jogos Mortais, mas ainda é um evidente reaproveitamento e uma referência direta do que Jigsaw representou em seu filme anterior, que o diretor percebeu que era possível expandir idéias e universos apresentados em uma história, o que ele começou a explorar com mais profundidade depois do sucesso de Sobrenatural, que abriu portas para ele solidificar uma legião de fãs que viriam garantir a ele uma estabilidade suficiente para fazer o que ele agora faz: contar histórias de terror de maneira um tanto autoral, já que as idéias são originalmente dele.

Enquanto Sobrenatural já está indo para seu quarto filme, Invocação do Mal não só vai ter sua terceira parte como também tem dois spin-offs, Annabelle e sua sequência (2014/2017) e o já mencionado A Feira, a estrear este ano. Portanto, Wan se tornou uma grande referência do gênero, mas isso não significa que ele seja excelente para isso.

Wan é muito bom para criar histórias e personagens, mas como diretor ainda peca bastante em diversos aspectos porque seu estilo puxa muito mais pro suspense do que para o timing certeiro que o terror exige. Ele consegue construir personagens e atmosferas, mas por muitas vezes opta pelo susto fácil com elementos clichés, como o uso indevido do som naqueles típicos "barulhões" sem sentido que acontecem quando algo surge repentinamente na tela, artifício manjado e usado com excesso. E o engraçado é que não era necessário. Várias vezes voltei a cena e deixei no mudo só para perceber se a sensação de espanto ou surpresa teria sido a mesma. A conclusão foi que, sim, a construção das cenas são boas o bastante para, sozinhas, as técnicas visuais funcionarem mais do que as sonoras. Uma pena que ele não percebeu isso antes porque muito desses efeitos sonoros inúteis poderiam ter sido evitados, e a sensação aterrorizante e incômoda daquilo que desconhecemos teria sido muito maior.

O mesmo sobre elementos narrativos que também não apenas já foram usados incansavelmente, como também reforçam a presença de uma cultura religiosa que chega a ser desrespeitosa não com a religião em questão, mas da forma imperativa como ela é representada.

Depois de O Exorcista (The Exorcist, 1973), é praticamente impossível fazer um filme que tenha uma narrativa parecida, ou que leve a narrativa para esse fim, e que consiga ficar livre de comparações com o clássico de William Friedkin. E é isso o que acontece quando o filme caminha para sua conclusão e um dos personagens é finalmente possuído pelo espírito maligno. Sabemos que a igreja será procurada, que o padre precisa de provas e da aprovação do Vaticano, mas de alguma forma alguém corajoso o suficiente irá ler o sagrado texto em latim e o demônio voltará pisando alto pro inferno. Sabemos porque sim. 99% dos filmes com possessão segue esse protocolo. Não precisamos de mais um filme contando essa história, assim como não precisamos de mais um filme mostrando o personagem possuído ficar desfigurado enquanto vomita na cara das pessoas.

Foi aí que parece que a sacada de cobrir o personagem com um lençol se tornou uma coisa simples e quase genial, uma forma de querer dizer: "ok, todo mundo já sabe o que vem depois disso, então ninguém precisa ver de novo". Mas nada disso ameniza o fato de que, sinceramente, não precisávamos de mais uma sessão dessas. E aí entramos na outra questão, a da religiosidade e da constante necessidade da cultura cinematográfica em nos obrigar a crer que a Igreja Católica é a grande salvação para qualquer mal. Eu me perguntava durante as cenas do exorcismo se apenas católicos são possuídos, e se rituais como esse são feitos apenas por padres católicos. E não, não são. Embora igreja e espiritualidade sejam dois temas que podem ser muito bem explorados (como foi em O Exorcista), em um determinado momento o padre diz a Ed (Patrick Wilson) que o exorcismo não pode ser feito porque a família não frequenta a igreja e as crianças não são batizadas, e é exatamente este ponto que me incomoda, porque na maioria das vezes não consigo considerar algo bom essa constante demonização de pessoas taxadas de "pagãs", ou a constante pregação de que apenas a Igreja Católica seja capaz de expulsar o mal. O mundo não é feito apenas de católicos, e o cristianismo não é a única vertente religiosa que existe.

O grande mérito do filme é, acima de qualquer coisa, ter um elenco bom e tentar manter a técnica a mais presente possível. Pode não espantar e tirar o espectador da cadeira, ou deixá-lo roendo o toco das unhas de medo, mas Wan conseguiu criar diversas sequências bastante obscuras e que surpreendem justamente por tentar reaver o clássico e abandonar o excesso visual. Seu pecado foi não ter se atentado de que o terror é sempre sutil, e se tivesse permanecido assim do início ao fim, sem obrigar situações ao impor alguns efeitos sobre a estrutura narrativa, sem dúvida Invocação teria causado um impacto muito maior do que permite.

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