Translate

quinta-feira, 8 de março de 2018

A VIDA DEPOIS DA TRAGÉDIA...

★★★★★★★★☆☆
Título: Três Anúncios Para Um Crime (Three Billboards Outside Ebbin, Missouri)
Ano: 2017
Gênero: Drama, Crime
Classificação: 16 anos
Direção: Martin McDonagh
Elenco: Frances McDormand, Woody Harrelson, Sam Rockwell
País: Reino Unido, Estados Unidos
Duração: 115 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma mulher desafia as autoridades da pequena cidade ao publicar em três outdoors mensagens sobre a não resolução do assassinato de sua filha.

O QUE TENHO A DIZER...
Três Anúncios é um daqueles filmes em que percebemos que um bom escritor não precisa de muito para uma grandiosa idéia. Segundo o diretor, roteirista e produtor Martin McDonagh, a idéia para o filme surgiu após ficar intrigado com três anúncios sobre um crime à beira de uma estrada durante uma viagem que fazia pela Georgia, na Flórida. Ele nunca foi atrás para descobrir a história de fato, mas quando decidiu por conta própria que a autora dos anúncios poderia ser de uma mãe, todo o cenário fez sentido.

Mesmo a cidade de Ebbin ser fictícia, McDonagh consegue dar vida e características próprias à ela com pouco, utilizando apenas alguns cenários e personagens que já dizem muito sobre o estilo de vida de seus habitantes em um estilo bastante similar ao dos irmãos Ethan e Joel Cohen, este último, por sinal, casado com Frances na vida real. Mas aqui os estereótipos não estão na caricatura, mas centrados na figura e no comportamento. Não há sotaques interioranos, não há personagens falando errado, não há dissimulação ou pessoas cuspindo na rua. O que existe são pessoas comuns vivendo em uma pacata cidade, acostumadas com as ironias do dia a dia e com o comportamento familiar, criando suas próprias leis e rotinas. Uma população pequena e pouco diversificada, por isso preconceituosa, com dificuldade de lidar com suas próprias diferenças, ignorâncias e problemas.

Quando um crime acontece, onde uma garota é brutalmente morta, estuprada e queimada, a cidade rapidamente se esquece, o crime não é resolvido por falta de provas e sete meses depois é como se nada tivesse acontecido. A vida continua e a cidade também. Ou é assim que deveria ser. Embora o sabor amargo da injustiça permeie no ar de alguma forma, junto com o sentimento de impotência que algumas pessoas sentem frente a isso, perceptível principalmente na maneira como Red (Caleb Landry Jones), o responsável pela publicidade local, desafia as autoridades locais mesmo nunca tendo nenhum vínculo com Mildred (Frances McDormand).

O que dificulta o processo é que Mildred não apenas remói suas dores como obriga a cidade a remoer as dores com ela, impedindo que a ferida se cicatrize. Ela perpetua a tragédia por não conseguir se desvincular dela e seguir com a vida, igualmente impedindo que os outros a façam. A dor da perda de um filho é inimaginável e imensurável, e o filme não necessita de flashbacks para mostrar o processo de luto e dor que a protagonista passou. Frances McDormand, em um papel escrito especialmente pra ela, novamente desenvolve um trabalho brilhante, fazendo da personagem nada mais que uma pessoa vazia, apática, sem uma gota a mais de emoção ou sentimento, esgotados pela dor da perda e pelo sentimento de injustiça, sobrando apenas um mero resquício de um humor inexpressivo, como o resto de uma esperança escondida em algum lugar, usados para se defender com suas respostas afiadas e certeiras, oferecendo momentos de excelentes diálogos, como quando repreende um padre com um sermão digno de igreja. Talvez uma das melhores performances de sua carreira, e um merecido segundo Oscar de Melhor Atriz este ano.

Não, não é aquele tipo de filme onde uma mãe militante sai por aí pregando cartazes pela rua e fazendo discursos políticos em emissoras de televisão. Aqui a mãe não se reconhece mais nem como pessoa e nem como parte daquilo que sobrou de uma família. Ela não espera que sua filha volte, mas acredita que a vingança ou a justiça pessoal possa, de alguma forma, preencher o buraco aberto, ou lhe conceder o direito do perdão por erros passados, e só assim obrigando-a a parar de alguma forma.

Mildred não é uma personagem autodestrutiva, mas ela caminha em direção a um trem o filme todo. Contraditório, mas é apenas dessa forma para ela interromper um processo que, em sua cabeça, não tem fim.

Por outro lado, temos Dixon (Sam Rockwell), o policial preconceituoso e imaturo que vive com sua mãe controladora e alcólatra. Suas atitudes inconsequentes são sempre acobertadas pelos demais colegas e, principalmente, pelo respeitado delegado Willoughby (Woody Harrelson), que na intenção de evitar maiores problemas em uma cidade que não precisa delas, não percebe que alimenta mais ainda a constante falta de percepção das pessoas ao fazer isso, ao ponto de um crime bárbaro  ter acontecido e ninguém saber quem foi, ou como foi, deixando um trauma que ninguém esqueceu, mas que também ninguém comenta.

O filme não consegue deixar de ser uma realidade dura da hipocrisia e da injustiça que abraça a sociedade como um caldo grosso e pegajoso, onde dificultar parece ser sempre mais fácil que solucionar, um extremo que naturalmente leva indivíduos a se confrontarem sem sequer lembrarem quem são e quais suas funções. E entre o humor negro e atitudes dos personagens que nos levam a momentos genuinamente emocionantes, o roteiro de McDonagh constrói um arco complexo de reflexões e arrependimentos a cada nova sequência. Uma jornada dolorosa para os personagens e para o espectador, que não apenas sofre com o que eles passam, mas que também sofre em querer compreender toda essa natureza complexa entre aqueles que são incapazes de se desvincularem de um passado, e daqueles incapazes de projetarem qualquer futuro. E de repente os vemos aos poucos mudando suas percepções da realidade, encontrando um denominador comum para interromperem as dores e seguirem suas vidas, independente do caminho escolhido.

Cheio de reviravoltas interessantes e que de maneira intrigante nos faz supor conclusões bastante precipitadas, como a provocar os nossos próprios níveis de preconceito, McDonagh nos insere no contexto discriminatório e do falso julgamento que permeia como fantasma toda a história, cuja percepção mais cômica ou mais trágica partirá do próprio espectador, mas o resultado será o mesmo.

Sem dúvida um dos grandes títulos de 2017, que constrói sua narrativa de maneira lenta, mas compassada, com alguns intercursos desnecessários como o flashback que esclarece a relação entre Mildred e sua filha. Uma sequência que não agrega muito à narrativa além de intensificar ao espectador a angústia da protagonista, esta que já era grande e presente o suficiente sem maiores argumentos.

Nenhum comentário:

Add to Flipboard Magazine.