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terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

SÓ O CAFÉ JÁ ESTARIA BOM...

★★★★★★★☆
Título: Café Com Seinfield (Comedias In Cars Getting Coffee)
Ano: 2012-
Gênero: Talk Show
Classificação: Livre
Direção: Vários
Elenco: Jerry Seinfield
País: Estados Unidos
Duração: 18 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Jerry Seinfield leva seus convidados para passeios de carro e café.

O QUE TENHO A DIZER...
Nunca fui fã de Jerry Seinfield. Sequer fiz questão de acompanhar seu famoso seriado, criado em parceria com Larry David, que levou ele e sua trupe ao estrelato imediato, constituído por Julia Louis-Dreyfuss, Michael Richards e Jason Alexander. Talvez porque na época eu não tivesse maturidade suficiente para entender aquele humor, talvez porque os episódios que eu tenha assistido tenham sido exatamente aqueles que não faziam sentido para outros além deles mesmos, ou talvez porque nunca gostei de fato.

O que sei é que, realmente, o humor de Seinfield nunca foi de piadas prontas, mas de uma vida cotidiana comum onde tudo pode ser o gancho para uma. Foi assim que ele revolucionou o cenário na época, e que junto com Mad About You e Friends, se tornaram referências das sitcoms modernas.

E é exatamente este estilo que ele repete aqui, mas em situações reais e improvisadas, sem roteiro. Um pocket talk-show que ele faz questão de, como ele mesmo diz, não ter todos os elementos chatos de um talk-show tradicional, algo que realmente veio a calhar numa época que este formato de programa parece ser o mesmo, só mudando o apresentador. Depois que, como o título já diz, ele só entrevistará comediantes, em sua maioria (ao menos até o momento), aqueles da mesma geração que a dele, dentro de um carro, num formato parecido com o britânico Carpool, do comediante Robert Llewellyn. A grande diferença aqui é que Seinfield particularmente escolhe o carro que mais se adequa à personalidade de seu entrevistado, além dos episódios serem extremamente condensados a não mais do que 18 minutos.

É um projeto que ele desenvolve desde 2012, a princípio disponível no Crackle (serviço de streaming gratuito que hoje pertence à Sony), mas que acabou migrando para o Netflix agora, em 2018.

A premissa é a mais pura informalidade, levando os entrevistados para restaurantes, bares ou lanchonetes inusitados. Não importa o lugar, desde que tenha café e comida. Através de perguntas aleatórias sobre a vida ou o trabalho, aquilo que pareceria monótono se torna naturalmente engraçado, cativante e viciante, por menos que você goste do comediante ou do entrevistado.

Seinfield em nenhum momento esconde seu egocentrismo, já que boa parte de seus relatos particulares são para enaltecer sua figura ou indiretamente esperar que o entrevistado o faça, mesmo que ele, por si só, seja uma figura desinteressante. O narcisismo também é forte, porque os entrevistados estão lá a todo momento para dar a ferramenta que ele precisa para ser a estrela de seu próprio entretenimento, e não o inverso. É como se o programa fosse um projeto de férias para contemplarmos a imagem de comediante bem sucedido que ele quer passar, e de quem ficou financeiramente abastado por ter tido uma idéia que todo mundo comprou durante os 10 anos que seu show ficou no ar. Um comportamento similar ao de Chelsea Handler, mas a comparação acaba por aí, porque o egocentrismo e o igual narcisismo de Chelsea consegue entreter por si só, e render boas piadas.

Não importa quem seja, de David Latterman à novata Colleen Ballinger, por maiores que sejam os momentos de intimidade e interação, sempre existe aquele desconforto de que o entrevistado pode ser importante, mas Seinfield é mais. Escolher o carro raro, buscar o entrevistado, levar o entrevistado, pagar a conta com uma gorjeta sempre acima do necessário. Atitudes que algumas vezes até os próprios convidados percebem que o dono do espetáculo não quer ser ofuscado, e que sempre haverá uma saída de emergência toda vez que ele for encurralado por uma piada alheia porque a piada pode ser boa, mas a deixa de Seinfield será sempre melhor.

É interessante que, no meio de todo o estrelismo que emana de sua aura, seu humor é simples, atento sempre a mínimos detalhes e ações que vem em chistes incontroláveis que ele absorve e traduz para uma linguagem compreensível. Um olhar que se faz ao ver a conta do restaurante; um tapa na mesa que o convidado defere para ser enfático; a expressão de alguém ao ouvir uma palavra incomum; um gesto particular de um desconhecido... coisas que geralmente deixamos passar despercebido nos micro-comportamentos de cada um, mas que para ele é a característica particular daquilo observado e que o faz ser único. É quando o espectador se familiariza com a forma que ele vê o mundo que, então, seu humor toma forma, pois conseguimos identificar suas fontes, e tudo passa a fazer muito mais sentido e graça. Até mesmo suas manias e fobias partem de coisas pequenas, e talvez seja por isso que seu humor seja o tal "humor irritado" que ele tanto questiona.

O talk-show é uma consequência óbvia do bloqueio criativo que Seinfield sofreu depois do término de seu programa em 1998, não tendo nada consistente ou que pudesse chamar particularmente de seu nos 14 anos seguintes. Esse seu programa não consegue passar de algo equivalente à síndrome de madame, que entediada no salão, resolve fazer compras. No caso, Seinfield, entediado na sala de casa ou em seu barco particular, resolveu sair por aí fazendo entrevistas. Imagino que ele quis juntar todas suas paixões em uma coisa só quando se viu há anos no mesmo lugar questionando o que fazer da própria vida. Não que todas essas paixões façam sentido quando juntas num pacote só. Carros podem ser complexos e de escolhas muito particulares, ao ponto de ser necessário conhecer muito bem alguém para que aquela escolha faça sentido. Mas não vejo a importância deles no programa ou a ênfase dada aos carros durante as entrevistas mais do que dos entrevistados, e nem sempre me convence que as escolhas do modelo, ou da cor, ou do tipo, tenham sido "coincidentemente certeiras". Assim como as "espontaneidades cênicas", do tipo: "abri sua porta e você não estava me esperando", os carros e lugares escolhidos são elementos que deixam claro que nem tudo é tão espontâneo ou improvisado assim. Excessos que poderiam ter ficado de fora. Se assim como no título nacional o programa fosse apenas um café com o apresentador, tudo seria mais leve e menos dispersivo.

Se tem uma coisa muito interessante é que Seinfield respeita e se importa com o cenário artístico do qual veio, compreendendo perfeitamente que a comédia e o humor nos Estados Unidos é parte imprescindível da cultura como libertação crítica, social e política, e que o humor também dá caráter. Ele não é carismático como muitos dos comediantes que ele convida, como Kristen Wigg, Tina Fey, Jimmy Fallon, ou até mesmo Jim Carrey, o primeiro convidado. Ele também não é engraçado. Seu talento é ser rápido e inteligente, mas acima de tudo, espontâneo, respeitando não apenas o humor de todos, mas a personalidade e as peculiaridades de cada um, deixando completamente de lado qualquer olhar crítico. Sua relação com a comédia é apaixonada, e apesar da abastança, é o humor que realmente o sustenta em pé.

Ao mesmo tempo que ele pode apresentar-se uma pessoa agradável, por outras ele é extremamente desagradável como um sociopata, ao ponto de às vezes até seus convidados chamarem sua atenção sobre isso, sendo nesses momentos que muita gente se lembrará que não gosta dele.

O pocket talk-show de Seinfield não tem nada de inovador ou original, podendo levar alguns episódios até o espectador se acostumar. É um programa com um formato para quem tem pressa, adequado para a vida virtual que todos levam. O que é irônico, já que Seinfield critica constantemente esse estilo de vida.

Mesmo com o esforço hercúleo do comediante querer estar sempre à frente, seus convidados desempenham o maior papel de transformar o programa em algo genuinamente agradável. É curto, rápido e simples. Se a Netflix manterá o mesmo formato, só saberemos quando a nova temporada estrear ainda este ano, mas seria de bom grado aumentar mais uns 20 minutos, porque sempre que a conversa começa a ficar boa e a intimidade entre ele e o convidado finalmente flui, a entrevista acaba.

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