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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

SENTIMENTO UNIVERSAL...

★★★★★★★★★☆
Título: Me Chame Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name)
Ano: 2017
Gênero: Drama, Romance
Classificação: 14 anos
Direção: Luca Guadagnino
Elenco: Timothée Chalamet, Armie Hammer, Michael Stuhlbarg, Amira Casar
País: Itália, França, Brasil, Estados Unidos
Duração: 132 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
A chegada de um americano para estagiar com um famoso arqueologista transforma a vida de um rapaz que estará prestes a descobrir o seu primeiro grande amor.

O QUE TENHO A DIZER...
O fim da adolescência não é fácil, o início da vida adulta e independente também não. É quando Oliver (Armie Hammer) chega na Itália para estagiar com o pai de Elio (Timothée Chalamet) que esses dois momentos se encontram. Elio tem 17 anos, e mesmo que sua educação tenha dado bases sólidas para já ter consciência de suas próprias decisões, é a falta de experiência que o mantém com um pé dentro dos impulsos emocionais da adolescência. Oliver tem 25 anos, e ao mesmo tempo que se identifica com Elio em diversos aspectos, as experiências de vida já o deixaram mais maduro para ter objetivos específicos e menos impulsivos.

Oliver é bonito, inteligente e eloquente, mas seu jeito americano soa arrogante demais para Oliver, este que foi criado sob uma educação mais calorosa e refinada, notada por conta de sua personalidade musical e de sua abrangente cultura. Mas existe algo mais no estranhamento de ambos, aquele estranhamento no qual quanto mais tentam se evitar, mais se aproximam.

Assistir esse filme definitivamente nos enche dessa sensação de como esse sentimento puro aflora e cresce entre duas pessoas, e muitas vezes poderá soar nostálgico para quem se identificar com a situação em alguma época da vida, independente da sexualidade, porque o sentimento é único e essa é a realidade que todo mundo já passou pelo menos uma vez.

Baseado no livro homônimo de André Aciman, publicado em 2007, o roteiro tem algumas consistentes mudanças, mas feito de forma que felizmente o deixa sentimentalmente mais realista e menos melancólico. Ao contrário do livro, a intenção não era narrar um passado, mas persuadir o espectador de que aquilo que os personagens vivem naquele tempo e espaço é real. Dessa forma o sentimento se torna próximo e consistente o bastante para que o público se identifique com o arco emocional e dramático, ao ponto de sentirmos o misto de emoções que eles também sentem. A adaptação não é fiel ao livro no sentido narrativo, mas captou toda a sua essência de maneira tão delicada e sucinta que não é à toa que tenha vencido o BAFTA 2018 pelo Roteiro Adaptado, e esteja concorrendo ao Oscar 2018 também nesta mesma categoria, além de Melhor Filme, Melhor Ator e Música Original.

O cenário italiano não poderia soar mais romântico e caloroso, mas para atrapalhar o romancismo, temos a década de 80, que ainda era extremamente conservadora quando comparada com os dias de hoje. E se existe um grande obstáculo entre o romance que está prestes a nascer, será isso. E não porque haverá grupos, pessoas ou indivíduos a se opor ao relacionamento de ambos, porque essa discussão sequer existe, e está longe de ser a proposta. A apreensão dos personagens, a forma como lidam com os encontros secretos, a tentativa de dispersarem as atenções e, inclusive, suas próprias emoções, é tudo consequência do medo existente, o medo daquilo que desconhecem, e por desconhecerem, não saberem como lidar.

Me Chame Pelo Seu Nome não é um filme qualquer, e está longe de ser mais um Brokeback Mountain (2005) porque a naturalidade e a delicadeza com as quais o diretor Luca Guadagnino desenvolve toda a história consegue ser muito mais sutil e realista do que Ang Lee conseguiu fazer com a história dos cowboys. Isso que Ang Lee já é caracteristicamente um diretor conhecido por ser extremamente delicado.

O livro tende a ser muito mais enfático e explícito, mas Guadagnino acreditou que seguir o mesmo tom quebraria a construção da relação emotiva e de cumplicidade que ele propõe construir com o espectador. As cenas de sexo e nudez, por exemplo, eram muito mais presentes no roteiro, assim como são no livro, mas foram retirados não porque o diretor acreditou que pudessem ser chocantes, mas porque ele realmente achou desnecessário, acreditando que o excesso de impulso sexual soaria gratuito e comprometeria a originalidade do sentimento, saindo completamente do foco e da atmosfera transformadora que os permeia.

A dificuldade dos protagonistas é lidar com a situação na época, e mais do que qualquer outra pessoa, aceitarem o que acontece entre eles, e o que estão vivendo é raro e precioso. O aspecto social, a dúvida por seguir fiel ao sentimento, ou interrompê-lo para dar continuidade ao que a sociedade espera, não é uma discussão na história, mas está implícita e os atormenta como um fantasma. A princípio, a dúvida de Elio o faz ter atitudes coerentes com sua idade, sendo rude, distante e até ficando com sua melhor amiga para tentar chamar a atenção de Oliver, este que interpreta as atitudes de Elio de maneira totalmente contrária, igualmente se distanciando para respeitar o espaço do rapaz. E assim o tempo vai passando, os dias também, a estadia de Oliver se encurta e o espectador se angustia, porque como um observador onipresente, ele sabe o verdadeiro desejo de ambos, ao ponto de querer entrar na história e se intrometer na falta de comunicação entre eles. O processo é lento e honesto, tanto que quando a primeira investida acontece, é impossível não se empolgar tanto quanto eles.

A intenção do diretor é que o filme tenha uma continuidade. Por questões orçamentárias e de duração (já longo em suas mais de duas horas), tanto ele, quanto o roteirista James Ivory, preferiram interromper a história em um ponto anterior ao final do livro, um ponto interessante que deixou a situação aberta, livre para interpretações ou para uma continuação.

O grande trunfo do filme é sua simplicidade, a fotografia bucólica até poética que valoriza as pequenas e importantes coisas que sequer damos atenção na vida e no cotidiano, cheio de cenas silenciosas que dizem mais do que extensos diálogos, além dos personagens terem seus sentimentos respeitados por todos à sua volta, rendendo um discurso pra lá de emocionante do pai de Elio, e que, em sua essência, resume absolutamente todos os sentimentos e ambiguidades que a história explora.

E como bem dito nesse momento tão único e até surpreendente, a dor e a tristeza podem até existir, mas não devem nunca matar a felicidade, e será essa a grande moral de um belo filme sobre um sentimento genuíno e universal que muitas vezes pode acontecer apenas uma única vez na vida, e desperdiçá-lo é perder a experiência de vivê-lo com intensidade.

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