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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

SALVO PELO GONGO...

★★★★★★☆
Título: Assassinato no Expresso do Oriente (Murder On The Orient Express)
Ano: 2017
Gênero: Policial, Suspense, Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Kenneth Branagh
Elenco: Kenneth Branagh, Johnny Deep, Tom Bateman, Daisy Ridley, Josh Gad, Michelle Pfeiffer, Penelope Cruz, William Dafoe, Judi Dench, Olivia Colman
País: Reino Unido, Estados Unidos
Duração: 114 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Ao pegar o Expresso do Oriente, o conhecido melhor detetive do mundo, Hercule Poirot, se vê envolvido em um crime à bordo, sobrando a ele resolvê-lo.

O QUE TENHO A DIZER...
Talvez a última vez que uma obra de Agatha Christie tenha sido vista no cinema de grande circuito seja em 1989, na adaptação de O Caso dos Dez Negrinhos/E Não Sobrou Nenhum (Ten Little Niggers/And Then There Were None). Houve uma adaptação britânica de A Casa Torta (Crooked House, 2017), mas longe de ter a mesma divulgação e o mesmo sucesso que esta nova versão de Assassinato no Expresso do Oriente.

Christie tem uma base sólida de fãs que se renova geração após geração, mesmo depois de quatro décadas após sua morte, em 1976. A "dama do crime" sempre foi considerada uma autora perspicaz, e sua fórmula criou um gênero próprio dentro do estilo policial que, embora muito popular principalmente na Europa, tinha uma marca registrada tão forte que suas obras são únicas. Mas como dito, era uma fórmula, da qual Christie utilizou incansavelmente ao longo de sua carreira até o desgaste em meio de seus mais de 80 livros, sendo 33 deles protagonizados pelo seu mais famoso personagem, Hercule Poirot. Por essa razão, ela é considerada muito mais uma novelista do que uma romancista, porque seus livros são de situações afins (há sempre um crime e um assassino a ser descoberto), com narrativas mais sóbrias e diretas, e personagens que raramente saem da bidimensionalidade, tudo isso numa linguagem típica de livros de banca, sempre mais preocupada em desenvolver situações do que personagens. Em suma, suas obras são materiais de entretenimento e nada mais, algo que ela nunca contrariou.

Mas isso não significa que seja literatura ruim, de forma alguma. Suas histórias de crimes mirabolantes são imersivas, e as mais diversas situações e cenários que ela cria são, de fato, de uma perspicácia que sempre pega seu leitor desprevenido, por mais óbvia que possa parecer, além de ter embutido o típico humor britânico que tira a carrancuda seriedade do estilo. Mas quanto mais nos familiarizamos com sua personalidade literária, mais previsível suas histórias se tornam.

Ela não escreveu livros para ela, mas sim para seu público. Tanto que Poirot, ao contrário do que muita gente pode imaginar, não era seu personagem preferido. A verdade é que ela não o suportava e só não o matou antes de Cai O Pano (1975) porque, apesar de ser um personagem detestável (e que ela o fez se tornar mais detestável ao longo dos livros), tinha uma excentricidade cativante e que o público adorava, e matá-lo antes teria provocado a ira de seus leitores.

Por conta da própria estrutura de suas novelas, é notável que sejam materiais melhores adaptados para a televisão do que para o cinema, e é por isso que Christie não é muito levada para as telonas, e poucos são aqueles interessados nisso. Talvez seja essa a grande razão de um hiato de quase três décadas de alguma de suas obras no cinema, e mesmo que a adaptação de Branagh, com roteiro de Michael Green (o mesmo de Logan e Blade Runner 2049), seja bastante fiel (com uma ou outra leve mudança aqui e ali para adequá-lo aos dias atuais) e de uma produção impecável (e que chega até a fazer referências à adaptação de Sidney Lumet, de 1974), é possível ter uma sensação que não desgruda de que algo falta para causar aquele impacto que deveria.

O diretor, assim como o roteiro, se preocuparam demais em transformar Poirot no grande protagonista do cenário. Sim, ele é o protagonista da história e nós já sabemos disso, portanto não era necessário focá-lo a todo instante, até mesmo quando demais personagens estão presentes, interpretados em sua grande maioria por nomes de peso. Atores que, na verdade, parecem estar lá apenas fazendo pontinhas, contendo o seu brilho para não ofuscar o brilho do colega, pois seus personagens tem o espaço constantemente roubado pelo protagonista e suas excentricidades maníaco-obsessivas (como não conseguir comer dois ovos de tamanhos diferentes ou conversar com quem esteja com a gravata torta). Então, no pouco espaço que sobra para eles se destacarem, eles os fazem com afinco.

Dessa forma, mesmo com participações tão breves e personagens que existem apenas para ações chaves na história, e por isso sem grandes profundidades dramáticas ou desenvolvimentos, todos os atores conseguem dar a cada um deles mais do que eles oferecem, como transformar um desenho no papel em uma escultura de barro, pois se não tivesse sido isso, eles poderiam ter sido substituídos por quaisquer outros. E talvez essa tenha sido realmente a função deles, já que o filme dificilmente se sustentaria sozinho, sem grandes nomes para auxiliar.

Portanto, salvo pelo gongo, são os atores em suas posições bem coadjuvantes que conseguem segurar todas as pontas mais do que o protagonista e a própria história. Além da direção bastante clássica de Branagh, que raramente - a quase nunca - sai do convencional, deixar tudo muito perfeito e bem alinhado, com ar datado e extremamente politizado, resultado óbvio de sua fissura por Shakespeare por tantos anos (só ele adaptou 5 obras do autor) e que igualmente foi visto em Thor (2011).

Esse protocolo pessoal que parece que o diretor segue não trás uma agilidade necessária para alimentar o clássico suspense do famoso "quem matou", característico das obras de Christie, e quando a história atinge seu clímax, ele não consegue engrandecê-la. Toda a trama construída até então perde forças, e a conclusão não surpreende da forma como o livro consegue fazer. Os acontecimentos se revelam na velocidade de uma leitura, quando ler e ver são duas coisa completamente diferentes, de tempos bastantes distintos.

Do excesso de zelo e ponderação na hora de revelar o corpo esfaqueado, à extrema falta de sutileza ao revelar o crime aos personagens, há um desequilíbrio que tira a surpresa e a expectativa nos momentos onde mais deveriam aparecer. Colocar todos os personagens juntos ao final também careceu de um metrônomo para ajudar no compasso, um momento que se torna o exemplo óbvio do motivo das obras da autora se encaixarem muito melhor na televisão do que no cinema, porque pareceu muito mais a conclusão do último capítulo de um folhetim de Silvio de Abreu do que uma produção de US$55 milhões.

E mesmo com esses defeitos, ainda é um filme atraente porque, tal como os livros, foi feito com nenhuma outra intenção além de entreter com classe. O problema é que Branagh utilizou classe demais.

De qualquer forma, é interessante ter Agatha Christie de volta aos cinemas, e a intenção de Branagh com esse filme é transformá-lo em uma franquia caso fizesse sucesso, e assim explorar o universo de Poirot. Não é à toa que o final do filme é um gancho para Morte Sobre O Nilo, e depois de ter arrecadado mundialmente mais de US$350 milhões, é mais do que óbvio que a continuação recebeu carta verde e já está em pré-produção, com lançamento previsto para 2019.

OBS: detalhe para canção original do filme, apresentada nos créditos finais, cantada por Michelle Pfeiffer.

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