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sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

PEQUENOS DEFEITOS, GRANDES QUALIDADES...

★★★★★★★☆
Título: Cidade das Esmeraldas (Emerald City)
Ano: 2017
Gênero: Ação, Drama, Fantasia
Classificação: 14 anos
Direção: Tarsem Singh
Elenco: Adria Arjona, Oliver Jackson-Cohen, Vincent D'Onofrio, Ana Ularu, Joely Richardson, Jordan Loughran, Gerran Howell, Isabel Lucas, Stefanie Martini
País: Estados Unidos
Duração: 45 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Uma versão reimaginada das histórias de Oz, com uma Dorothy em seus 20 anos de idade.

O QUE TENHO A DIZER...
Essa produção do canal NBC teve um início conturbado. A princípio as filmagens eram pra ter começado em 2014, com previsão de lançamento em 2015, mas foi cancelada antes mesmo de ter início, com produtores entrando e saindo por conta de divergências criativas. Em 2015, a NBC voltou atrás e encomendou sua produção, cujo primeiro episódio teve estréia em Janeiro de 2017.

Com uma média de audiência de 4,5 milhões de pessoas nos primeiros episódios, os números só caíram no decorrer da temporada, números baixos para um canal aberto e para uma produção cara como esta. Muito embora a sua transmissão pelo canal britânico 5Stars tenha sido bem sucedida, não foi o suficiente para atingir a expectativa comercial esperada.

A NBC, mais famosa por cancelar seus programas e seriados sem qualquer aviso prévio numa Síndrome de Silvio Santos que todo canal aberto tem, não fez diferente aqui e riscou Emerald City pra sempre de sua grade de programação, deixando pra trás mais um programa que, apesar de alguns tropeços, tinha potencial e uma premissa interessante. Seu maior problema foi a resistência por parte daqueles que tem como referência apenas o filme de 1939 e nada mais, que esperavam assistir um repeteco do mesmo e acabaram encontrando algo completamente diferente.

Vagando entre a mesma atmosfera fantasiosa de Once Upon A Time (2011-2017), as quebras de espaço de tempo e o romancismo novelesco de Outlander (2014-), até a complexa disputa pelo poder e seu controle como em Game Of Thrones (2011-), o maior atrativo sem dúvida era a reimaginação em torno da história de Dorothy e sua relação com o mundo de Oz.

Para a maioria das pessoas, o seriado contaria a mesma história que a desenvolvida pelo filme, mas por um ponto de vista diferente, enquanto na realidade apenas alguns elementos narrativos foram mantidos para dar o ponto de partida na história, e demais referências diretas e indiretas foram usadas livremente.

Isso causou uma certa confusão, dividindo o público entre aqueles que se interessaram pela forma como tudo foi recontado e entre aqueles que definitivamente não entenderam a proposta de utilizar todo o universo criado por L. Frank Baum de uma forma mais livre, aberta para reinterpretações mais humanas, deixando de lado a fábula sem abandonar a fantasia.

Nenhum diretor teria sido melhor para isso do que Tarsem Singh.

Conhecido por delírios visuais como A Cela (The Cell, 2000), Dublê de Anjo (The Fall, 2006), Imortais (Immortals, 2011) e Espelho, Espelho Meu (2012), o diretor indiano sempre foi criticado por produzir filmes que, embora visualmente catárticos e surrealistas, falham abruptamente no desenvolvimento de suas histórias.

Em certo ponto é basicamente o que acontece outra vez aqui, mas de uma maneira bem mais branda, tanto para o visual, quanto para o roteiro escrito pelos criadores da série, Matthew Arnold e Josh Friedman, 

Visualmente as marcas registradas de Tarsem estão lá o tempo todo, mas um pouco mais apagadas e entristecidas depois da morte de sua maior parceira de trabalho em 2012, a figurinista japonesa Eiko Ishioka, e de uma equipe artística e técnica que nunca havia trabalhado com o diretor antes, com exceção do cinematografista Colin Watkinson, que auxilia aqui para novamente oferecer algumas cenas memoráveis, como no confronto entre a bruxa do Leste (Florence Kasumba) e Dorothy (Adria Arjona).

Embora o trabalho de Trisha Biggar seja igualmente atraente e traga muito dos elementos dos trabalhos anteriores de Tarsem, ela definitivamente não consegue ter uma identidade tão marcante e culturalmente substancial como Ishioka. Sem dúvida há momentos de imenso desbunde, como o figurino e as suntuosas máscaras da Rainha Langwidere/Lady Ev (Stefanie Martini), mas peca na maioria das vezes por não ter uma expressividade quase espiritual, como eram os trabalhos da japonesa, que pareciam sempre em total sintonia com o mundo dos sonhos em que Tarsem parece viver.

Mas de um modo geral, todo o aspecto visual está em coerência com os elementos e personagens da história, até mesmo quando eles não existem diretamente, porque ao abolir a fábula, muitos personagens viraram apenas referências, enquanto outros foram transformados para se adequarem à abordagem mais humana, deixando a fantasia mais convincente.

O seriado acerta em cheio ao manter o tom mais obscuro e assustador que originalmente existe nos livros, dando maior profundidade às situações e aos conflitos. Algo que o público não compreendeu muito bem, novamente por conta do senso comum de o filme com Judy Garland ser a única referência popular existente. Ao mesmo tempo, para aqueles que conhecem tanto os livros quanto o filme, irá se divertir em encontrar no meio dos 10 episódios muitas referências de ambos, assim como personagens e situações que não tiveram sua vez na adaptação cinematográfica.

O Leão Covarde, o Homem de Lata e o Espantalho podem não ser personagens vivos dessa vez, caso contrário, como dito, a série se tornaria uma fábula. Mas mesmo não aparecendo, eles estão presentes nas referências, como Eamonn (Mido Hamada), o guarda pessoal do Mágico (Vincent D'Onofrio), que em um determinado momento utiliza uma fantasia de leão e é chamado de covarde após ser exilado da Cidade das Esmeraldas; ou Lucas (Oliver Jackson-Cohen), o interesse romântico de Dorothy, que é encontrado sem memória, pendurado em uma cruz de madeira igual um espantalho; ou Jack (Gerran Howell), o melhor amigo de Tip (Jordan Loughran), que é todo reconstruído em lata e tem seu coração substituído por uma máquina depois de um grave acidente.

Essa reinvenção do mundo também atinge os personagens, mas suas funções são praticamente as mesmas dos livros, como as história de Tip e Mombi (Fiona Shaw), Lady Ev, do próprio Mágico de Oz, e até mesmo do cachorro Totó, que ao contrário de ser aquele bicho fofinho do filme, é um pastor alemão de guarda transportado a Oz de tabela.

Personagem que raramente aparece no primeiro livro, dessa vez o Mágico é praticamente um protagonista. Interpretado por Vincent D'Onofrio, desde o princípio não é escondido do espectador que ele é uma farsa, só não sabemos até que ponto.

Por ser uma enfermeira destemida do Kansas, que viaja pelo tempo e espaço, se apaixonada por um guerreiro e geralmente age por impulsos altruístas, a semelhança entre Dorothy e Claire Randall, de Outlander, já é grande o bastante para, da mesma forma, tanto a interpretação, como o desenvolvimento e a personalidade do personagem de D'Onofrio serem quase idênticos ao que ele fez com Wilson Fisk, em Demolidor.

Sofrendo da síndrome do vilão incompreendido de coração partido, o drama do Mágico segue em mesmo número e grau que o do vilão de Demolidor. Usando uma barba notavelmente postiça para deixá-lo irreconhecível e caricato, a intenção afunda igual Titanic quando o deja vu é forte. D'Onofrio não abandona - ou sequer se atenta a amenizar - os mesmos cacoetes e vícios de interpretação do vilão da outra série. Até o crescimento de seu interesse romântico por Anna (Isabel Lucas) e a relação que ambos desenvolvem é, até certo ponto, assustadoramente idêntica entre Fisk e Vanessa.

Numa trama que até cria metáforas interessantes a respeito de lideranças religiosas que fortalecem o controle cultural e do pensamento, aquilo que parecia simples no embate entre o conservadorismo totalitário do Mágico com a democracia tradicionalista das bruxas, se torna confusa quando as intenções de demais coadjuvantes, como as irmãs bruxas do Norte (Joely Richardson) e do Oeste (Ana Ularu), ou o romance entre Dorothy e Lucas se perdem nos conflitos, sambando de um lado para outro, esquecendo de seus próprios propósitos na trama. Principalmente quando tudo começa a cair no cliché romântico que era bastante desnecessário.

Até Dorothy, que de maneira interessante, quanto mais fica em Oz,  mais aparenta absorver uma maldade que gradualmente muda seu comportamento heroico, pendendo à mesma falta de caráter dos demais, se torna algo completamente sem graça por não ter um momento genuinamente engrandecedor e que sustente a sua função de peça chave em toda a trama. Pelo contrário, ela se mostra fraca, inútil e sem propósito, e se um furacão tivesse a engolido no meio da história e a jogado de volta em Kansas sem a gente nem saber, ela nem faria falta.

Oz é, por excelência, um cenário onde tudo acontece, mas que no meio desse caos todo, perdeu as pontas de suas subtramas. Acertou quando mostrou que é possível se reinventar um universo sem abandonar as suas raízes fantásticas, pois não lhe faltou consistência, mas uma melhor organização de idéias. Tanto que, quando a série se aproxima ao fim, atingindo seu ápice numa grandiosa batalha entre o exército do Mágico com a irmandade das bruxas, o espectador não apenas é agradado com a beleza da construção de determinadas cenas típicas de Tarsem (como não se impressionar com Glinda tomando forma em meio às libélulas), como também tem a sensação de que muito mais poderia ser oferecido em temporadas seguintes, em um final de capítulo que deixa uma ótima ponta aberta para uma continuação que nunca existirá.

Emerald City pode não ter sido muito bem interpretada por uma parte do público, mas em sua essência, nada justificou consideravelmente seu cancelamento, nem mesmo a baixa audiência. O que faltou foi persistência por falta do estúdio, e paciência por falta do público que sempre costuma ser relutante com aquilo que tenta fugir do convencional.

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