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sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

A VIDA DEPOIS DE QUEER AS FOLK...

★★★★★★☆☆☆☆
Título: Looking: The Movie
Ano: 2016
Gênero: Drama, Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Andrew Haigh
Elenco: Jonathan Groff, Frankie J. Alvarez, Murray Bartlett, Lauren Weedman, Russel Tovey
País: Estados Unidos
Duração: 85 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
A conclusão da série da HBO que conta a história de três amigos gays em busca de seus sonhos e realizações.

O QUE TENHO A DIZER...
A maioria dos seriados ou filmes com temáticas homossexuais comumente são abusivos nos clichés. Claro que a série da HBO não seria diferente, mas o que a salvou foi não ser apelativa em nenhum momento como foi a exagerada ostentação da adaptação norteamericana de Os Assumidos (Queer As Folk, 2000).

Queer mostrava uma realidade distorcida e estereotipada das piores formas possíveis, em que todos os homens gays deveriam ser lindos, influentes e só se relacionarem com gente linda, terem corpos sarados, usarem roupas de marca com os melhores perfumes e frequentar baladas gigantescas dia e noite sem parar, com muita droga e sexo explícito se possível. Não que isso não acontecesse na vida real, mas a fantasia que o seriado criou se tornou algo questionável quando se inflou de tal forma na imaginação coletiva ao ponto de influenciar muito daquilo que a cultura gay se tornou no começo deste século em diante. Hoje em dia tudo pode soar muito natural e comum, mas no começo de 2000 o que víamos eram pessoas querendo ser os personagens, num comportamento que foi se reproduzindo assexuadamente e absorvido por osmose ao longo dos anos sem as pessoas sequer perceberem que elas se transformaram naqueles personagens. Claro que havia um ou outro personagem mais centrado e comportadinho, mas quando o seriado começou a soar fútil por demais, passou a abordar temas mais chocantes para trazer uma certa seriedade até patética, como o abuso de drogas, homofobia e o HIV. Mas nada disso importava, o que o público queria mesmo era conhecer um Brian num cavalo branco pra uma boa sacanagem e ter uma Babylon só sua.

9 anos depois do fim de Queer As Folk, Looking navegou completamente para o lado oposto disso tudo. Criado por Michael Lannan a partir de um curta metragem que ele mesmo havia feito em 2011, o tema central foi a busca de três amigos gays pelos seus mais diferentes sonhos e realizações na cidade de San Francisco. Como dito, embora os clichés existam, as atuações são convincentes, assim como as situações e os interesses. Não somos obrigados a acreditar no que está acontecendo, nós simplesmente acreditamos porque o tom é coerente com aquilo que os personagens estão vivendo naquele momento e lugar. Claro que eles são estereotipados, como o nerd ingênuo e solteiro, o artista liberal, o narcisista, a amiga hetero expansiva e o latino romântico. O que traz profundidade a cada um deles é que a busca de cada um por aquilo que acreditam é sincera e faz parte do cotidiano universal de uma cultura movida a regras e quesitos.

A realidade também é muito mais tangível. Dos atores com belezas mais comuns até as baladas alternativas que os personagens frequentam sem medo algum de se misturarem na diversidade de tribos. Ninguém é rico, ninguém frequenta restaurante caro ou se veste como catálogo de revista. Até mesmo as músicas são completamente o oposto da cultura house e club que se criou com Queer As Folk. Aqui o som é sofisticado e bem escolhido, que migra entre os diferentes estilos da melhor forma possível e em sintonia com a história.

A relação entre os personagens e a química entre os atores foi o grande atrativo de uma série que nunca teve tramas muitos profundas ou extensivamente dramáticas, e nunca se dispôs a idéias megalomaníacas. Era simplesmente o retrato da vida comum de um produtor de jogos eletrônicos, de um artista plástico e de um chef de cozinha, episódios curtos e leves com temas simples e emocionalmente honestos ao ponto dos episódios mais parecerem o documentário do dia a dia de três amigos do que um drama de situações. Abordagens mais realistas e humanas, como é da filosofia das produções originais da HBO (com excessão das fantásticas, como True Blood, Westworld, ou Game Of Thrones).

Cancelado depois de duas temporadas devido a queda de audiência, foi com uma petição online criada pelos fãs da série que a HBO aprovou a produção de um episódio especial em formato de longa metragem para dar um final conclusivo à série. A primeira temporada chamou a atenção justamente por não focar em uma única trama e abordar diferentes assuntos de maneira generalizada. Mas a segunda temporada caminhou um pouco para o óbvio quando se apropriou do cliché romântico ao dar atenção exagerada no conturbado triângulo amoroso criado em torno de Patrick Murray, o protagonista interpretado por Jonathan Groff antes de ficar famoso com Mindhunter, o hit da Netflix de 2017.

Claro que é possível notar as influências de Sex And The City no material de Lannan, principalmente nessa tentativa de transformar Patrick em uma versão masculina, insegura e auto-vitimizada de Carrie Bradshaw, o qual não importa com quem esteja, onde esteja e o que esteja fazendo, acabará sempre sendo o centro da atenção e de um problema. Isso não ofuscou os outros personagens, mas tirou deles melhores desenvolvimentos e conclusões.

É aí onde o longa igualmente peca. A história tem continuidade aproximadamente um ano após Patrick ter rompido com Kevin (Russel Tovey) e voltado a morar em Denver, assunto do último episódio da segunda temporada. Patrick agora retorna a San Francisco para o casamento de Augustin (Frankie J. Alvarez), reencontrando seus outros amigos e, obviamente, seus ex-namorados. Mas aquilo que era para ser uma celebração da superação de perdas e da maturidade, como o começo do longa promete, aos poucos começa a dar espaço para o mais do mesmo, com conflitinhos românticos, dúvidas sentimentais e a velha premissa de que apenas somos felizes e completos se estivermos acompanhados de um grande amor. Tanto que Dom (Murray Bartlett) é terrivelmente criticado quando afirma estar bem sozinho.

Novamente, tudo muito parecido com o triângulo Carrie-Aidan-Big e a tudo aquilo que fez de Carrie a rainha do drama e do exagero, reproduzido em igual proporção em Patrick. De Dom e Augustin, pouco ficamos sabendo de suas vidas além de diálogos muito rápidos e situações muito sucintas que esclarecem que o restaurante de Dom está dando certo e Augustin agora é um homem mais decidido e menos conturbado, tanto que vai casar. E só. O restante são apenas questionamentos banais do protagonista, discursos indulgentes tirados de livros de auto-ajuda e algumas tentativas frustradas de conciliação. Há muita volatilidade e distimia para um único personagem em apenas 85 minutos sobre uma visita de apenas 2 dias. Patrick é um personagem perdido por excelência, que sempre inventa desculpas a si mesmo para não encarar a sua própria realidade, que pula de um ex para outro, escolhendo aquele que lhe ofereça a melhor proposta, às vezes apelando no sentimentalismo para impedir os outros de seguirem suas vidas e assim beneficiá-lo com isso, como ele faz com Richie (Raul Castillo), quando este revela que pretende se mudar de San Francisco e Patrick apela dizendo que voltará a San Francisco, como a obriga-lo a ficar. Uma atitude bastante previsível para quem acompanhou a série e já conhece esse lado um tanto manipulador do personagem sempre que está sozinho. Que Patrick era egoísta, já sabíamos, mas o longa, como um encerramento da história, perdeu a oportunidade de criar uma redenção ao personagem sobre este que foi sempre seu grande defeito.

A existência da série foi válida. Uma pena que não teve a popularidade que poderia ter tido justamente por ter estreado numa época um pouco errada, na qual a cultura gay se firmava no auge da sua ostentação e da liberdade sexual. O imediatismo das relações criadas por aplicativos levou as pessoas a uma certa alienação social, e de repente um seriado surgir nesse meio tempo querendo abordar assuntos e discussões cotidianas que tentam fugir da banalidade acabou soando desinteressante e um pouco fora de época, ao invés de ser visto como uma dura realidade a ser relevada.

Infelizmente o filme não conseguiu dar continuidade ao bom desenvolvimento que as duas primeiras - e únicas - temporadas tiveram, nem como um último episódio. Ele encerra a história, mas não satisfaz como poderia. O que o salva do pior é que, surpreendentemente, a direção é de Andrew Haigh, o mesmo do intenso 45 Anos (45 Years, 2015), e em Looking ele consegue igualmente o mesmo feito: atingir a emoção do espectador em cheio ao captar os mais sutis momentos dos personagens. O comprometimento dos atores por seus papéis também é digno de nota outra vez, tão forte que o sentimento é genuíno e real, e a respeito disso, não há o que se falar mal, todos fizeram tudo muito bem e de uma maneira tão cativante que até deixa saudade do seriado.

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