Translate

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

NOVELÃO DE PRIMEIRA...

★★★★★★★★☆☆
Título: Outlander
Ano: 2014-
Gênero: Drama, Ação, Época
Classificação: 16 anos
Direção: Vários
Elenco: Caitriona Balf, Sam Heughan, Duncan Lacroix, Tobias Menzies, Graham McTavish
País: Estados Unidos, Inglaterra
Duração: 60 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Por motivos desconhecidos, uma mulher volta 200 anos no tempo, sendo obrigada a esquecer da vida que um dia teve e se adequar aos costumes de uma sociedade antiga, ao mesmo tempo que se deixa conquistar por um novo grande amor.

O QUE TENHO A DIZER...
Claire (Caitriona Balf) é uma mulher inglesa comum que sobreviveu aos horrores da Segunda Guerra Mundial, na qual atuou como enfermeira para seu país e seus aliados. Em uma visita a Iverness durante sua lua de mel, em 1945, por razões inexplicáveis, ela é transportada ao passado, voltando 200 anos para a segunda metade do século XVIII, deixando para trás seu marido, o historiador e professor Frank Randall (Tobias Menzies).

É a partir daí que toda a história tem início nessa série baseada na saga de oito livros da escritora estadunidense Diana Gabaldon (que também atua como consultora da produção), publicados entre 1991 a 2014, e cujo nono livro, já anunciado, ainda não tem previsão de lançamento.

A adaptação televisiva, uma co-produçao entre Estados Unidos e Inglaterra, é um grande sucesso do canal Starz, que estreou em 2014 e já foi renovada para sua quarta temporada, a ser lançada em 2018. E não é à toa que no Brasil ela tenha se popularizado bastante, pois mesmo sendo uma série, sua estrutura é bastante similar àquilo que nossa cultura está acostumada a ver nas telenovelas, ou soap operas. A diferença não esta apenas no requinte da produção, com cenários e fotografia deslumbrantes, figurinos de época belíssimos e atuações convincentes, mas também na qualidade narrativa, que mesmo tendo como núcleo central os clichés românticos do gênero, conquista exatamente por dar foco a um casal protagonista cativante, cuja exótica relação nunca se torna cansativa, além de subtramas consistentes que abusam de fatos históricos para embasar sua ficção.

Misturar ficção com a História não é novidade, mas Outlander faz isso de maneira bem interessante, abordando a diversidade cultural europeia do século XVIII com eloquência, seja no interior da Escócia ou entre os condados ingleses, do período hegemônico Francês e a engraçada liberdade sexual aristocrática que tomava conta dessa época à Boston da década de 60 e a influência de Jacqueline Onassis na moda, é impossível não se sentir imerso cada vez mais na narrativa conforme os episódios avançam.

Claire, por ser uma mulher independente e determinada, o que já era algo notável e pouco aceito ainda na década de 40, é recebida com espanto e repúdio pela sociedade escocesa machista do século XVIII, onde as mulheres eram apenas donas de casa subservientes, colocadas sempre atrás de seus esposos. Os rígidos códigos de honra existentes impediam-nas de decisões e participação efetiva na sociedade, e o aparecimento de Claire oferece um choque cultural imediato, tanto para os personagens, quanto para o espectador. Seja em meio a xenofobia que dificulta a relação cultural, ou na diferença de pensamentos e comportamento, a heroína já começa a traçar sua própria história de maneira categórica e impositiva, atraindo a atenção justamente por fugir do estereótipo de mocinha frágil e condescendente. Ela sequer finge ser assim, mesmo estando em um território hostil e sem lei, cuja insubordinação feminina era punida severamente. Aos poucos ela vence barreiras e pula obstáculos, inspirando outras a fazerem o mesmo, e dessa maneira desbravadora conquista o respeito de inimigos e aliados por conta de uma personalidade que não deixa ser abalada pelo tempo ou época.

A protagonista é um elemento transformador desde o início de sua narrativa no primeiro episódio, bem como em suas atitudes e postura. O roteiro, elogiado por seguir fielmente as obras originais (cada temporada tem cronologicamente sido baseada em um livro), se engrandece demais ao estar repleto de outras personagens femininas fortes e que a todo instante mostram como as mulheres tiveram papéis extremamente importantes na História, mesmo não sendo creditadas por muitas vezes serem obrigadas a atuarem de maneira coadjuvante e até anônima, como por várias vezes é exigido à própria protagonista. A todo instante ocorrem situações e diálogos que contrariam o pensamento machista ou misógino existentes até os dias de hoje, como em um momento entre James e Jenny, sua irmã, onde ele afirma que abriria a mão de sua própria vida para não ver a honra dela ser violada por um estranho. Ela em seguida retruca, dizendo que não é pelo fato dele ser homem que o mérito da decisão seja apenas dele, e que a necessidade também poderia levá-la a optar por ceder sua honra para mantê-lo vivo. Ou seja, independente do sexo, o direito de escolha é igual a todos.

E é seguindo este pensamento que os episódios estão repletos de embates verbais como esse e sobre diversos outros temas conservadores, sejam eles sociais, culturais, políticos, espirituais ou religiosos, engrandecendo a experiência que o seriado oferece e colocando-o em um patamar acima da média. O humor também é bastante presente de diversas formas, principalmente na maneira rústica como a cultura escocesa e retratada, que chega, às vezes, até soar como sátira, porém convincente de igual forma pelo principal fato dos personagens escoceses serem interpretados por atores escoceses. Então o sotaque que ouvimos não é exagero de interpretação, mas genuíno, que respeita a linguagem coloquial da época. Tanto que uma das dúvidas dos produtores antes do seriado ser produzido era se o inglês seria a língua dominante, e foi então que chegaram à conclusão que até poderia ser, mas as línguas nativas, principalmente o galês, seriam usadas constantemente para causar a sensação ao espectador de realmente se sentirem forasteiros da história e terem a mesma dificuldade de compreensão que a protagonista muitas vezes tem.

Mas é claro que o drama é sempre o prato principal, e é isso que caracteriza o tal ar folhetinesco, já que muitas situações se repetem demais ao longo das temporadas cheias de idas e vindas para o mesmo ponto de partida, como o herói sempre ter de salvar a heroína e vice-versa, ou o constante embate maniqueísta do bem contra o mal. Não importa onde eles estejam ou para onde vão, as tramas serão sempre parecidas entre si. Mas embora pareçam repetitivas, são propostas de maneiras tão distintas e mirabolantes que, mesmo tendo finais previsíveis, nos empolgamos sempre como se fosse novidade, pois o que tira a sensação repetitiva é a multidimensionalidade dos personagens e as mudanças constantes de cenários e locações.

Cada um dos protagonistas e coadjuvantes tem suas respectivas tendências heroicas ou vilânicas, mas o karma construído tem profundidade, e não importa ser mocinho ou bandido, todos cometem erros, acertos e possuem momentos de redenção na hora certa. Aliás, isso é algo muito interessante, já que o roteiro nunca adia ou reprime os sentimentos de seus personagens, correspondendo exatamente com a atitude que o espectador espera. Quando pensamos que um personagem deveria agradecer outro por um ato nobre, isso acontece; quando pensamos que a protagonista deveria abraçar o mais turrão dos combatentes para expressar sua gratidão, isso acontece; até mesmo quando simplesmente queremos que o casal principal se beije, se abrace e role no chão como se não houvesse amanhã, isso acontece. Diferente de elementos unicamente previsíveis, essas ocasiões são méritos da honestidade do roteiro que está sempre em constante sincronia com as emoções de quem assiste, oferecendo exatamente aquilo que se espera nos momentos certos, sendo por isso muitas vezes difícil de conter emoções genuínas, por mais banais que sejam.

A relação entre Claire Randall e James/Jamie Fraser é um dos elementos mais atraentes da história. É literalmente o caldeirão que encontrou sua tampa, construindo a partir daí aquela velha premissa do grande épico romântico atemporal. A prepotência de James é amenizada pelo temperamento dominante de Claire e a teimosia de ambos encontra equilíbrio quando se chocam. Dessa forma desenvolvem uma relação de respeito e cumplicidade tão fortes que o senso de um viver em complemento ao outro é crescente, se fortalecendo cada vez mais frente a tantas adversidades, sendo um dos casais românticos mais bem desenvolvidos na televisão nos últimos anos, pois ao mesmo tempo que abusam dos clichés, a química existente é surpreendente e honesta suficiente para conquistar o respeito e a admiração sem cansaço.

Os vilões das diversas subtramas pipocam em cena com grandiosidade e em momentos inesperados, muitas vezes em coincidências bem forçadas, mas que fazem parte da característica do seriado como um folhetim clássico. Seja na sádica sociopatia de Black Jack Randall ou do caricato humor maquiavélico do oportunista Duque de Sandringham, é o tom às vezes até exagerado de seus arcos dramáticos que fazem deles personagens assustadoramente memoráveis, em performances que muito se assemelham aos vilões Coronel Hans Landa (Christoph Waltz), de Bastardos Inglórios (2009); ou Charlie Rakes (Guy Pearce), de Os Infratores (2012); ou até mesmo Silva (Javier Bardem), de Skyfall (2012). Todos personagens de requintada perversidade que, como dito, mesmo tendo finais previsíveis, conseguem tirar do espectador o mais genuíno asco. Claro que a violência aqui não chega aos níveis de Game Of Thrones, mas há o suficiente para dar aquele incremento espetaculoso, enjoando, revoltando, ou até mesmo satisfazendo nossa sede de vingança. Existem situações tão cruéis, como as cenas de chicoteamento ou de estupros, que são bastante indigestas, e outras que não são mostradas, mas deixa implícito na imaginação do espectador a brutalidade, trazendo aquele gosto amargo da injustiça, como as referências à inquisição e a terrível caça às bruxas promovida pelas religiões cristãs.

Outlander, a princípio, pode parecer uma série bastante feminina e abusar do formato novelesco. Tem uma temática feminista forte para desenvolver discussões sociais, mas nem por isso deixa de ter aquilo que o público masculino também gosta de ver. Não perdem a oportunidade de agradar o público alvo com as várias cenas de nudez masculina, mas ainda há excesso de peitos de fora ao longo das temporadas, principalmente da protagonista, coisas que servem apenas como elementos eróticos dispersantes, mas nunca são ofensivos. É um seriado adulto, que pode demorar um pouco para cativar, mas depois que se embarca em todo esse misto de fantasia e época, se torna tão viciante quanto qualquer boa telenovela brasileira, uma sensação que fica muito maior na terceira temporada, repleta de situações dramáticas açucaradas e muito romance perfeito.

A terceira temporada pode não ter o mesmo brilho que as duas primeiras tiveram, mesmo quando a segunda temporada simplesmente inventou uma desculpa qualquer e abandonou o cenário francês de um minuto para o outro, uma das fases mais belas e surpreendentes do seriado. A impressão que se tem é que ou os custos estavam elevados demais, ou o roteiro se perdeu, até porque vários personagens entraram mudos e saíram calados, sem grandes desenvolvimentos. Além de que, é realmente clássico o roteiro se embramar em subtramas irrelevantes para ofuscar buracos ou erros de continuidade, e fazer o espectador facilmente se esquecer da ausência de certas conclusões ou defeitos, como gerações passarem e os protagonistas não envelhecerem, tal como a "Síndrome de Glória Perez", dos protagonistas de suas novelas nunca se modificarem com as longas passagens de tempo, como em O Clone (2001-2002). Mas no geral, nada que prejudique a linearidade da história.

De qualquer forma vale a pena. É um drama de época escapista e interessante, extremamente bem produzido e escrito. Como dito, os roteiristas respeitam não apenas o material original, como os sentimentos e as emoções dos espectadores, sendo isso que o faz ser cativante da forma como é.

Nenhum comentário:

Add to Flipboard Magazine.